sexta-feira, 25 de maio de 2012

De quem foi a idéia?

Quando alguém é criticado, muitas vezes levam-se em conta suas crenças, traços físicos e modos de pensar, negligenciando o que está em discussão.

JULGAMENTO DE BRUXAS, na Idade Média: condenação a qualquer custo

Uma médica recomenda à paciente que perca peso. A moça pensa: “Se ela realmente acreditasse que emagrecer faz bem, ela não seria tão gorda”. Um aficionado por cinema critica de forma severa um filme de Tom Cruise porque discorda das declarações sobre política que o ator deu em uma entrevista recente. Um gerente de banco evangélico ignora o conselho do vizinho no cuidado do seu jardim, porque o homem que mora na casa ao lado é um ateu convicto. Esses exemplos ilustram usos clássicos de ataques ad hominem, nos quais um argumento é rejeitado ou promovido com base numa característica pessoal de um indivíduo, em vez de razões a favor ou contra a própria afirmação.

Colocar o foco no argumentador ou na pessoa que está sendo tema da discussão pode nos distrair das questões que de fato importam. Em vez de nos concentrarmos no caráter de um indivíduo, devemos, nesses casos, propor a nós mesmos perguntas do tipo: O conselho da especialista é correto e pode favorecer a saúde da paciente? O filme de Cruise é divertido? O gramado do vizinho parece saudável? Não se pode negar que ataques ad hominem também podem desacreditar um indivíduo de maneira injusta, especialmente porque tais críticas com freqüência são aceitas como eficientes, principalmente se a conduta do outro esbarra em nossas crenças mais arraigadas ou em mecanismos de defesa contra o que nos angustia.

Embora argumentos contra a pessoa há muito venham sendo considerados erros de raciocínio, uma análise recente sugere que nem sempre foi assim. Em seu novo livro, Media argumentation: dialectic, persuasion, and rhetoric, o filósofo Douglas Walton, da Universidade de Winnipeg, propõe que falácias tais como os ad hominem são mais bem entendidas como perversões ou corrupções de argumentos plenamente satisfatórios. Em relação ao ad hominem, Walton defende que embora tais ataques sejam normalmente falaciosos, eles podem ser legítimos quando uma crítica do caráter está direta ou indiretamente relacionada à idéia que está sendo articulada.

Se Walton estiver certo, distinguir de forma clara entre esses casos é importante para avaliar a validade de declarações que as pessoas fazem para nós sobre outros. Usos bons ou justos de críticas ad hominem devem, na verdade, nos persuadir, enquanto usos indevidos não devem.

Quais seriam então os argumentos a serem ignorados? No chamado ataque ad hominem abusivo, alguém defende que pelo fato de a pessoa ter um caráter duvidoso, não devemos aceitar as afirmações que venham dela. Por exemplo, durante a campanha presidencial de 1800, nos Estados Unidos, John Adams foi chamado de “tolo, hipócrita descarado e opressor sem princípios”. Seu concorrente, Thomas Jefferson, por outro lado, foi considerado “um ateísta incivilizado, antiamericano, uma ferramenta para os franceses hereges”. Acusações como essas podem facilmente impedir um discurso político inteligente sobre o que pode fazer de qualquer um dos candidatos um bom presidente.

Outra forma ilegítima de ad hominem é a versão tu quoque, ou “você, também”, que é uma tentativa de desacreditar as afirmações de uma pessoa porque ela não foi capaz de seguir seu próprio conselho. O exemplo da médica acima do peso que prescreve o emagrecimento incide nessa categoria. Seu uso é injusto porque, afinal, há boas razões para perder peso – e o fato de a médica não ter atendido seu próprio conselho não deve dissuadir os outros de tentar segui-lo. O mesmo poderia se aplicar, por exemplo, a psicoterapeutas que podem oferecer acompanhamento de qualidade às pessoas de quem cuidam sem precisar, necessariamente, ser exemplos de sucesso durante todo o tempo, em todas as áreas da vida.

O ataque a Cruise, por outro lado, é um exemplo de “envenenamento do poço”, outra forma de ataque ad hominem na qual a investida ao caráter é lançada antes de o ouvinte ter chance de formar sua opinião sobre um assunto – nesse caso, o filme de Cruise. A lembrança de que Cruise tem opiniões diversas das do crítico de cinema, poderá predispor esse último contra o filme. Isso é parcialmente injustificado, porque as opiniões pessoais do ator não influem de maneira relevante em sua capacidade de atuação ou no valor de entretenimento do filme.

Que tipos de ad hominem podem ser justificados então? Walton defende que essa postura é válida quando as afirmações feitas sobre o caráter ou as ações de uma pessoa são relevantes para as conclusões a que se chega. Vejamos, por exemplo, o ex-governador do estado de Nova York Eliot Spitzer, que foi pego numa escuta telefônica contratando uma prostituta por US$ 4.300. Como esse comportamento ia contra a plataforma anticorrupção de Spitzer, sua revelação iria impedi-lo de governar com sucesso; portanto, a crítica desse aspecto do seu caráter era relevante e justa. Num escândalo anterior, em 1987, o televangelista Jimmy Swaggart foi visto num motel com uma prostituta. Como seu comportamento minava sua pregação e seu status como um modelo cristão exemplar, um ataque a seu caráter com base nesse incidente seria completamente certo.

Em outro caso, quando o presidente Bill Clinton mentiu em cadeia nacional sobre seu caso com a estagiária da Casa Branca Monica Lewinsky, acusações de que ele era um mentiroso não eram completamente injustas. Embora alguém que o apóie pudesse argumentar que a vida sexual de Clinton não era diretamente relevante para sua capacidade de governar, sua capacidade de manter-se fiel à verdade com certeza o era, e sua disposição para mentir nessa ocasião colocava em dúvida a veracidade de seus comentários sobre outros assuntos.

É claro, nós não devemos ignorar tudo que uma pessoa diz, ainda que ela tenha sido incrivelmente desacreditada. O fato de uma pessoa mentir ou se comportar de maneira inapropriada em uma ocasião não significa que ela minta ou se comporte de maneira inapropriada o tempo todo. Novamente, uma crítica do caráter de uma pessoa não deve impedir um exame mais aprofundado dos argumentos disponíveis. Afinal, definir que posição é a certa, em geral independe do caráter ou da conduta da pessoa.

Estar ciente de como o ataque ad hominem funciona pode nos ajudar a avaliar quais ocorrências do seu uso deveríamos ignorar e quais deveríamos levar em conta. Pergunte a si mesmo: quão relevante é o caráter ou a ação de um candidato político para sua capacidade de desempenhar seu cargo? Quão pertinente é o passado de uma pessoa ou sua afiliação a grupos para sua qualificação num campo específico? Se os ataques com base no caráter não são relevantes para essas questões maiores, então é melhor ignorá-los. Em vez disso, devemos atentar para o que é realmente importante: o que a pessoa está afirmando? Por que ela oferece um ponto de vista em particular? Esse ponto de vista é defensável?

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/de_quem_foi_a_ideia__3.html

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