Compreender como o álcool altera a química do cérebro oferece aos pesquisadores e aos próprios pacientes maiores possibilidades de controlar a dependência.
Ex-alcoólatras têm dificuldade de resistir à ânsia de beber em duas situações particularmente desafiadoras. Mas, felizmente, a compreensão do que acontece em seus cérebros sob essas circunstâncias está favorecendo o entendimento dos neurobiólogos a respeito de como o uso crônico do álcool modifica o cérebro. As descobertas sugerem medidas que podem ajudar as pessoas a permanecerem abstêmias.
O caso seguinte ilustra uma das situações de maior tentação. O paciente H. não havia ingerido uma gota de bebida havia muitas semanas graças a um programa radical de abstinência de álcool, mas uma simples caminhada na qual passasse em frente ao bar e restaurante Pete's Tavern, em Nova York, em qualquer noite apagava quase por completo sua vontade de permanecer sóbrio. Durante o dia ele não sentia o desejo pelo álcool, mas quando passava pelo estabelecimento à noite – via a luz aconchegante através das janelas e ouvia o tinir dos copos –H. sentia uma forte tentação de entrar lá e pedir uma cerveja. Pesquisadores de dependências chamam esse fenômeno de “desejo condicionado”. Se uma pessoa sempre consumiu álcool numa mesma situação, um encontro com o estímulo familiar irá tornar a sensação de necessidade da substância quase irresistível. Então, mesmo depois de anos de abstinência, consumir um único drinque pode desencadear um desejo poderoso de beber mais e mais.
A história de outro paciente, K. ilustra outra tentação comum. O rapaz havia abandonado o álcool e estava indo bem, mesmo depois de ter sido demitido do trabalho e de haver começado a receber o seguro-desemprego. Mas numa visita ao local onde tratava dos assuntos relacionados ao desemprego, no centro da cidade, um burocrata se recusou a aprovar seu benefício. Enquanto estava parado na plataforma do metrô esperando o trem para casa, ele de repente começou a transpirar, estremecer e sentir-se da abstinência ele tomava algumas doses sempre que se deparava com uma situação tensa. Depois da discussão, seu cérebro – moldado pela experiência – esperava o efeito calmante do álcool. Quando a droga não veio, ele começou a sofrer aquilo que os especialistas chamam de “crise de abstinência condicionada”.
O desejo condicionado e a crise de abstinência condicionada são produzidos no cérebro por mecanismos diferentes. Nos últimos anos, os neurocientistas investigaram a fundo ambos os fenômenos. Eles agora se sentem à vontade para explicar como o consumo rotineiro de álcool transforma os circuitos do cérebro de forma a levar ao vício, e começam a desenvolver novos medicamentos que podem proporcionar uma redução drástica das chances de se voltar à dependência.
Por séculos, a sociedade rotulou alcoólicos como pessoas auto-indulgentes que não possuem força de vontade. Embora a decisão de começar a beber realmente seja assunto de cada indivíduo, traços inerentes às células do cérebro podem influenciar bastante esse caminho perigoso. Além disso, uma vez que alguém se torna dependente, só força de vontade costuma ser insuficiente para romper essa condição; drogas capazes de reverter a química do cérebro alterada pelo álcool podem ser necessárias.
A sensibilidade de um indivíduo aos efeitos do álcool sobre os neurônios influencia de maneira significativa a chance de que ele se torne dependente. De acordo com o professor de psiquiatria Marc A. Schuckit, da Universidade da Califórnia, San Diego, e diretor do Programa de Tratamento de Álcool e Drogas do Sistema de Saúde de San Diego do Departamento de Veteranos de Guerra, uma das melhores proteções contra o alcoolismo é a náusea. Pessoas que ficam enjoadas com facilidade quando bebem têm menos probabilidade de ingerir bebida em quantidade suficiente e de maneira constante a ponto de criar dependência. As mais resistentes são as que mais correm risco. Substâncias mensageiras inibitórias e excitantes no cérebro ficam desequilibradas em resposta a doses excessivas de álcool. As pessoas que conseguem beber mais enviam mais álcool para o cérebro, dessa forma aumentando com o tempo a chance de que um desequilíbrio permanente se desenvolva.
Essa química do cérebro foi parcialmente estudada em macacos Rhesus que tiveram de crescer sem suas mães, alguns no laboratório e outros na natureza. O psicólogo americano James Dee Higley, pesquisador do Instituto Nacional de Abuso de Álcool e Alcoolismo, descobriu que esses macacos reagiam menos a bebidas de alto teor alcoólico do que outros macacos. Os macacos sem mãe também eram semelhantemente insensíveis a outras substâncias que, como o álcool, aumentavam o impacto do neurotransmissor GABA (ácido gama-aminobutírico), o qual inibe sinais entre neurônios para que as células não fiquem excitadas demais.
Como resultado dessa sensibilidade reduzida, os macacos Rhesus criados em isolamento podiam beber uma quantidade notavelmente enorme de álcool – e procuravam fazer isso quando os pesquisadores proporcionavam acesso livre à droga. Estudos em humanos revelaram mudanças semelhantes nos cérebros das pessoas.
A química alterada do cérebro resultante da experiência é apenas um fator que contribui para diferenças individuais em termos de suscetibilidade. Os genes representam também um papel. Schuckit defende que até metade dos fatores causais para sensibilidade reduzida ao álcool são herdados. Num estudo de pequena escala que rastreou pessoas durante 15 anos, o grupo de pesquisa de Schuckit descobriu que uma variação no gene que codifica uma parte do receptor GABA pode estar relacionada a uma baixa sensibilidade ao álcool.
Embora a alta tolerância decorrente de uma química ajustada do cérebro ou da genética possa parecer um traço protetor, em última instância é desfavorável. Se tal indivíduo consumir grandes quantidades de álcool de maneira regular, seu cérebro aos poucos irá se acostumar, praticamente garantindo que a pessoa se torne adicta.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/o_desafio_de_permanecer_sobrio.html
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