Pesquisa recente revela que a fixação de uma lembrança no cérebro varia de acordo com o tempo transcorrido desde que ela se forma.
Por volta de 1920, o psicólogo Karl Lashley fez uma série de testes, hoje famosos, na tentativa de encontrar a parte do cérebro onde as lembranças são guardadas. Ele treinou ratos a aprender sair de um labirinto, em seguida provocou lesões em várias zonas do córtex cerebral tentando apagar aquilo que ele definia um “engrama”, ou seja, os vestígios da memória original. Foi um fracasso: os ratos conseguiam encontrar a saída independentemente da parte do cérebro que tivesse sido danificada. Lashley concluiu que as memórias não ficam armazenadas em apenas uma área, mas sim distribuídas por todo o cérebro. Estudos posteriores sobre os amnésicos – particularmente aqueles de Brenda Miller sobre o paciente HM indicaram mais tarde que uma área cerebral, o hipocampo, tem um papel decisivo na formação das lembranças. Mais recentemente foi demonstrado que o córtex frontal também faz parte do processo; hoje se considera que as novas lembranças sejam codificadas no hipocampo e depois transferidas aos lobos frontais para a conservação em longo prazo.
Uma nova pesquisa dirigida por Christine Smith e Larry Squire, da Universidade da Califórnia em San Diego, fornece agora a prova de que a “idade” de uma memória determina o quanto nos apoiamos no córtex frontal e no hipocampo para relembrá-la. Em outras palavras, a fixação de uma lembrança no cérebro muda de acordo com quanto tempo de vida ela tenha. Os pesquisadores avaliaram a atividade cerebral associada à recuperação de lembranças antigas e recentes. A experiência reuniu 15 voluntários masculinos sadios, cujo cérebro foi examinado com ressonância magnética funcional (fMRI) enquanto respondiam a 160 perguntas sobre fatos que aconteceram em vários períodos ao longo dos últimos 30 anos. Um teste aparentemente simples, mas que exigiu um projeto experimental bastante complexo porque era necessário evitar algumas variáveis que poderiam ter provocado confusão.
Em primeiro lugar, quando alguém nos pede para nos lembrarmos de um determinado acontecimento, o cérebro não elabora apenas a pergunta que fomenta a recuperação da memória, mas também a evocação que leva a isto, portanto esta atividade pode interferir naquilo que se está avaliando. Além disso, é provável que as lembranças mais recentes sejam mais ricas e vivas que as mais antigas; portanto a potência do sinal da fMRI poderia estar associada não só ao momento em que aconteceu o fato lembrado, mas também à riqueza de detalhes com que o indivíduo se lembra dele. Enfim, as lembranças recuperadas poderiam ter uma forte associação com os acontecimentos pessoais dos indivíduos, o que poderia facilitar a sua recordação.
Smith e Squire planejaram então o teste de forma a avaliar os efeitos da idade de uma lembrança independentemente da elaboração das perguntas feitas ao indivíduo e da riqueza com a qual ela é evocada. No início da experiência, apresentaram em ordem casual blocos de perguntas sobre os acontecimentos de cada período, perguntando aos voluntários se eles conheciam ou não a resposta. Passados cerca de dez minutos, enquanto ainda estavam no scanner, os voluntários tinham de responder a três perguntas sobre cada acontecimento. Em primeiro lugar, eram solicitados a lembrar a pergunta original sobre o acontecimento (para avaliar com que eficiência tinham elaborado a informação). Depois eram solicitados a responder aquela pergunta (para avaliar a exatidão da lembrança); e finalmente eram questionados em relação a quanto soubessem sobre cada um dos acontecimentos (a fim de avaliar a riqueza de cada lembrança).
Em geral, a capacidade dos indivíduos de lembrar um fato ocorrido diminuía de acordo com o tempo transcorrido desde que ele havia sido registrado. Como era previsível, eles se recordavam melhor os fatos mais recentes que os mais antigos. Os pesquisadores também observaram que a memória das perguntas que lhes haviam sido apresentadas e do conteúdo de cada acontecimento não tinha relação com o tempo transcorrido desde o acontecimento em si. A riqueza da lembrança também não estava relacionada com o tempo: com frequência, as recordações dos fatos que haviam ocorrido em um passado remoto eram tão cheias de detalhes quanto aquelas dos acontecimentos mais próximos.
Os pesquisadores utilizaram para a análise apenas os dados das perguntas que foram respondidas corretamente, a partir das quais se revelou que as estruturas do lobo temporal medial (hipocampo e amígdala) mostravam uma atividade gradualmente decrescente à medida que os indivíduos se recordavam de lembranças mais e mais remotas. No entanto, esta diminuição da atividade coincidia com a lembrança dos fatos que haviam acontecido no máximo 12 anos antes; já a evocação de acontecimentos ainda mais distantes estava, ao contrário, associada a um nível de atividade constante naquelas áreas. Nos lobos temporais frontais, parietais e laterais notava-se o esquema de ativação oposto: nestas áreas, a atividade aumentava de acordo com quantos anos tinha o fato lembrado, mas se mantinha constante durante a evocação dos fatos mais recentes.
Esta pesquisa oferece provas anatômicas e funcionais que confirmam as descobertas obtidas pelos indivíduos com lesões cerebrais e deficit de memória. Pacientes como H.M., com lesões no hipocampo em ambos os hemisférios, não perdem apenas a capacidade de formar novas recordações, mas também a lembrança dos fatos que aconteceram nos anos anteriores ao surgimento da amnésia. A lembrança dos fatos ocorridos em um passado longínquo permanece intacta, enquanto aqueles que tiveram lugar em épocas não tão distantes e não tão recentes são esquecidos gradualmente. Este resultado sugere que, com o passar do tempo, o hipocampo perde a importância para uma determinada lembrança, enquanto o córtex frontal adquire. A teoria da memória de Lashley não estava correta, mas tampouco completamente errada. Mas por que as velhas lembranças deveriam ser transferidas do hipocampo ao córtex frontal? Talvez porque evocar antigas recordações exige associações mais fortes e um maior esforço. A elaboração da memória no córtex frontal é mais complexa que no hipocampo e envolve uma rede muito extensa, com um número mais elevado de conexões. O córtex frontal seria portanto mais estruturado para a tarefa de recuperar lembranças que foram codificadas em um passado mais distante.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/o_lugar_das_lembrancas.html
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