quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Por que Neuroeducação?

Grande parte do fascínio das Neurociências está em sua capacidade de estudar os aspectos mais complexos do cérebro humano.



Como é possível contemplarmos imagens de beleza majestosa e ouvirmos músicas que tocam nossa mais profunda emoção. Mais inconcebível ainda, como podemos contemplar nossa existência e conceituar nossa própria mortalidade? Certamente, o cérebro humano, uma massa de 100 bilhões de neurônios, conversando uns com os outros via neurotransmissores e impulsos elétricos, é um órgão maravilhoso e espantoso!

Apesar desse fascínio, por décadas os neurocientistas se mantiveram nos níveis mais primários de funcionamento do cérebro, trabalhando exaustivamente em experimentos para entender como determinadas moléculas e células nervosas trabalham. Para complicar as coisas, grande parte dessa inestimável pesquisa foi baseada não em cérebros humanos, mas em estruturas nervosas de lesmas do mar, peixe-zebra e macacos Rhesus. A maioria dos avanços científicos ao longo da história são resultado dessas pesquisas e as metodologias nela utilizadas permanecem como pedras angulares de como a Ciência deve prosseguir. No entanto, isso faz com que os neurocientistas procurem fugir de questões de fundo cognitivo, artístico ou filosófico. Consequentemente, quando eles se deparam com o conceito de Neuroeducação, a reação típica é de perplexidade do quanto as Neurociências poderiam contribuir com a Educação.

Artistas têm sido comparados a neurocientistas que tentam descobrir que combinações de cores, sons, palavras, sabores, texturas ou padrões atraem mais o nosso cérebro. Ao invés de conduzir experimentos em um laboratório, um artista usa seu meio de comunicação para uma audiência alvo para expressar algo de significante. Da mesma forma, os educadores podem ser comparados a neurocientistas no sentido de procurarem formas de melhor estimular, informar e moldar a mente de seus estudantes, jovens ou não, no laboratório que é a Escola. O objetivo implícito de toda Educação é transformar o cérebro ampliando a base de conhecimentos e tornando mais eficaz o funcionamento mental, um processo neural difuso conhecido como plasticidade que afeta nosso cérebro de forma estrutural e funcional.

Isso é muito claro: quando aprendemos alguma coisa, modificamos nosso cérebro do ponto de vista bioquímico, sináptico, anatômico e hemodinâmico.

Professores, estudantes, artistas e cientistas assim compartilham de um objeto comum de interesse - o cérebro. A partir dessa perspectiva, então, a questão não é exatamente descobrir se neurocientistas e educadores têm algo em comum, mas, ao invés disso, entender por que esses profissionais permaneceram tão distantes uns dos outros todo esse tempo, até começarem agora a trabalhar juntos.

Parece-me que educadores e cientistas são como carros trafegando em lados opostos de uma rodovia, se preocupando apenas com os obstáculos diretamente frontais, se esquecendo do canteiro central, ainda que dividam a mesma rodovia. O fato é que a maioria dos neurocientistas nunca ensinou crianças em uma sala de aula e grande parte dos professores não cogitam realizar experimentos em laboratório. Mais do que isso é que um indivíduo não precisa ser um professor qualificado para ser um bom cientista, nem conhecer a fisiologia do cérebro para ser um bom professor.


Projeção tridimensional da superfície cerebral em processos de ativação e desativação associados à improvisação musical em músicos de jazz através de Ressonância Magnética Funcional [de Limb CJ, Braun AR (2008) Neural Substrates of Spontaneous Musical Performance: An fMRI Study of Jazz Improvisation. PLoS ONE 3(2): e1679].


O paradigma natural é que os professores devem trabalhar bem com seus alunos e os cientistas trabalharem bem com os dados, e isso vem sendo feito há séculos. No entanto, se esse paradigma for mantido por ambos os grupos, eles continuarão trafegando em direções opostas a despeito de estarem na mesma rodovia.

O que mudou então? Tecnologia! Vivemos em uma época de disseminação rápida de informação atingindo um ritmo diferente de tudo o que foi testemunhado até hoje. Esta explosão de informação virtual tem afetado todos os aspectos da sociedade moderna, especialmente o compartilhamento da informação científica e como o cérebro do estudante absorve novos conhecimentos. Por isso também responde o surgimento de toda uma nova geração de métodos científicos incluindo a Ressonância Magnética Funcional (RMF), Estimulação Magnética Transcraniana (EMT) e Magnetoencefalografia (MEG) que permitem o acesso ao funcionamento do cérebro humano em condições 'naturais' em um grau sem precedentes.

Estas novas modalidades de estudar o cérebro nos encoraja a fazer perguntas que não dizem respeito apenas aos níveis elementares da função, mas também para as mais complexas funções cognitivas humanas.

Enquanto os processos cognitivos pertinentes à arte eram primariamente de domínio dos filósofos, hoje nós podemos realmente examinar o que o cérebro está fazendo, como ele executa tarefas, como resolve problemas de matemática, como processa a leitura de um livro ou improvisa uma melodia.


Nós podemos ainda não ter o conhecimento suficiente para interpretar os dados gerados pelas Neurociências, mas nós certamente temos um melhor senso para qual direção devemos seguir.

Talvez ainda não tenha sido suficientemente enfatizada quão únicas são as oportunidades científicas para a área da Educação nos dias de hoje: temos os métodos disponíveis para estudar a função neural durante as mais variadas tarefas - como pensamos, aprendemos e ensinamos - de forma quantitativa semelhante à forma como os cientistas estudam qualquer outro complexo processo neural.

Nós podemos hoje explicitamente estudar os processos cerebrais que são mais relevantes à educação em um nível nunca antes imaginado. Embora possa demorar cem anos para que possamos entender como o conhecimento neurocientífico pode nos ajudar a ensinar álgebra para alunos do 9 º ano, podemos, pelo menos, começar a nos dirigir por esse caminho. Tendo em vista às importantes descobertas das Neurociências na última década, seria insensato não fazê-lo. E quem poderá saber onde chegarão nossos conhecimentos sobre o cérebro daqui a vinte, cinquenta ou cem anos?

De todos os atributos humanos, a capacidade de elaborar comportamentos não previamente programados está entre os mais fascinantes. A cada dia nós executamos uma série de novos comportamentos não planejados. Esses comportamentos podem ser bastante simples (como ter uma conversa improvisada sobre o clima), ou extremamente elaborados (encontrar uma solução para um problema de longo prazo).

Em muitos aspectos, a criatividade é a chave para a humanidade, é a forma como inovamos, avançamos e crescemos. Se não fosse o espírito criativo seria difícil acreditar que os seres humanos criariam a roda ou as várias formas de gerar e aproveitar a eletricidade. É a criatividade que nos permite resolver problemas e descobrir novas soluções para melhorar velhas soluções. É facilmente perceptível que existem múltiplas formas de criatividade e que cada uma precisa ser estudada de uma maneira diferente se quisermos entendê-las. No entanto, eu penso que os professores não ensinam seus alunos para que eles simplesmente regurgitem os conhecimentos de volta. Da mesma forma que não ensinam modos de pensar para que sejam memorizados pelos seus alunos. A esperança implícita e o objetivo de toda educação é permitir que os alunos sejam capazes de interiorizar e lidar com a informação, recombinando-a de diversas e inovadoras formas habilitando-os a resolver problemas de forma independente. É assim que inovamos e melhoramos a condição humana, é isso que implica ensinar uma criança.

Por várias razões eu passei a me interessar pelos processos neurais ennvolvidos em comportamentos criativos. Eu escolhi utilizar a improvisação musical como uma forma de estudar os processos neurais que envolvem a criatividade, mas espero estar estudando ao mesmo tempo algo maior do que a música, algo para entender como o cérebro capta o que precisa e faz algo diferente, inesperado e maravilhoso.

Através da Neuroeducação, espero que possamos aprender um dia como os cérebros são educados e a maneira mais eficaz para facilitar estes processos. Eu percebo, entretanto, que os cientistas vão continuar a descobrir mais e mais informações e os professores continuarão a fazer o melhor que podem para os seus alunos. No entanto, através destes tipos de esforços, eu aposto que estudantes no ano de 3010 receberão uma educação que, com a ajuda das Neurociências, sofreu uma evolução radical.


© May 2010 The Johns Hopkins University New Horizons for Learning.

Com a permissão do Dr. H. John Castellani do programa Novos Horizontes para o Aprendizado da Universidade Johns Hopkins.



Why Neuroeducation?

Dr. Charles Limb

Professor Associado da Faculdade de Medicina da Universidade John Hopkins

Diretor de Pesquisa em Iniciativas em Neuroeducação da Escola de Educação da Universidade Johns Hopkins

Baltimore, EUA


Fonte: http://aprendercrianca.com.br/congresso/index.php?option=com_k2&view=item&id=31%3Apor-que-neuroeducacao&Itemid=538

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