Apesar de sua prodigiosa capacidade intelectual, o homem – que devasta o planeta em malefício próprio – dificilmente durará 400 milhões de anos como os tubarões.
Mas, afinal, o que é a inteligência? Muita gente pensa que é aquilo que se mede num teste de quociente de inteligência (QI). A capacidade de encaixar blocos de madeira ou realizar operações lógicas indica adaptabilidade a problemas desse tipo. Muitos outros tipos de inteligência existem, e para eles o teste de QI não serve.
Ser inteligente é encaixar bem com a realidade, dissipando pouca energia e promovendo acomodações quando necessário. Comportamentos essenciais são inatos e estão presentes em todos os animais, como a alimentação, a fuga de predadores e a procriação. Outros comportamentos são aprendidos ao longo da vida, configurando ajustes ao ambiente. No caso do ser humano, a inteligência se baseia num vasto repertório de comportamentos adquiridos, o que nos dá grande flexibilidade de interação com o mundo.
Embora tenhamos robustos aparatos neurais para a percepção e ação, grande parte de nosso enorme cérebro é dedicada à estocagem de memórias, tanto de perceptos quanto de atos motores. O arranjo cerebral particular que permite a façanha da civilização humana parece ter evoluído nos últimos 2 milhões de anos, mas data de apenas 10 mil anos a explosão cultural que nos permitiu tomar o planeta de assalto.
Muito antes do advento de nossos ancestrais hominídeos, animais bem diferentes eram os mais inteligentes da praça. Antes mesmo da supremacia dos dinossauros, iniciou-se a duradoura linhagem dos elasmobrânquios, peixes cartilaginosos como os tubarões e as arraias. As evidências fósseis indicam que mudaram muito pouco nos últimos 30 milhões de anos. Singrando o oceano no topo da cadeia alimentar, os tubarões realizam com maestria, desde tempos imemoriais, os três comportamentos inatos essenciais: comer, fugir e procriar.
Antropomorfizado por Hollywood, o formidável tubarão-branco (Carcharodon carcharias) se transformou num ardiloso vilão. Exageros à parte, muitos tubarões têm cérebro proporcionalmente grande para seu peso corporal, superando algumas aves e mamíferos. É um aparato neural de grande sofisticação, em boa parte dedicado à percepção química e elétrica dos arredores. Há também a robusta circuitaria motora, capaz de comandar corpanzis de até 12 metros com a agilidade de torpedos teleguiados. Cérebros que não guardam muitas memórias, mas interagem com o ambiente há 400 milhões de anos com prodigiosa eficiência. Em time que está ganhando a evolução não mexe.
E no entanto, muitas espécies de águas rasas estão desaparecendo, pois não há leis internacionais que impeçam a pesca em grande escala dos elasmobrânquios. Especialistas da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN) reportaram recentemente que 11 de 21 espécies estudadas estão vulneráveis à extinção. O recém-chegado primata bípede, com polegar opositor e cérebro descomunal, aprecia cação frito, moqueca de arraia e sopa de barbatana de tubarão. A inteligência do bicho homem, que devasta o planeta em malefício próprio, dificilmente durará 400 milhões de anos.
Autor: Sidarta Ribeiro é Ph.D. em neurobiologia pela Universidade Rockefeller e pesquisador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal (IINN). Fez pós-doutorado na Universidade Duke (2000-2005) investigando as bases moleculares e celulares do sono e dos sonhos e o papel de ambos no aprendizado.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/concurso_de_inteligencia.html
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