Teoria de Darwin sobre a evolução das espécies, formulada há 150 anos, transformou a subjetividade e ainda causa polêmica.
Quando o naturalista inglês Charles Robert Darwin embarcou no pequeno navio Beagle, aos 22 anos, cheio de curiosidade e desejo de aprender, seria difícil imaginar que ao regressar, cinco anos depois, trouxesse na bagagem uma novidade tão revolucionária: todos os seres vivos descendem de formas ancestrais de vida. Não seria exagero dizer que o autor da Origem das espécies por meio da seleção natural (1859) foi o precursor da ciência moderna. Há um século e meio, quando parecia quase inquestionável que o homem era o eleito por Deus e senhor da criação, ele ousou apresentar hipóteses revolucionárias – e contestou as palavras da Bíblia, tomadas até então como verdade literal. Segundo sua teoria científica, do ponto de vista biológico, a humanidade não está no centro da evolução, faz parte dela como qualquer outra espécie.
As conseqüências filosóficas dessa “reinvenção” da origem dos seres vivos foram enormes: substituição de um mundo estático por um outro em evolução; rejeição do criacionismo; questionamento da teologia cósmica e abandono do antropocentrismo; explicação materialista daquilo que, até então, tinha sido concebido em termos de “projeto divino”; substituição de classificações rígidas e carregadas de apriorismos por um pensamento articulado sobre as variações da Natureza.
Suas teorias transformaram a subjetividade humana. Graças a elas podemos compreender hoje, por exemplo, como funciona o mecanismo do stress: diante de um perigo ou desafio nosso cérebro nos contempla com uma dose extra de adrenalina, preparando o organismo para a luta ou a fuga. Também é possível entender por que acumulamos gordura (um mecanismo biológico para nos preservar em tempos de possível escassez) ou por qual motivo homens e mulheres dão preferência a determinadas características na hora de escolher um parceiro amoroso. Naturalmente a teoria evolucionista não dá conta de todos os esclarecimentos, mas ajuda a iluminar nossa compreensão.
Para Darwin, a evolução não é sinônimo de avanço para a perfeição e sim um processo que implica transformações. Ou seja: não nascemos prontos. Tomando essa idéia, podemos questionar a crença (durante tanto tempo propagada) de que há espécies superiores e ou inferiores. O naturalista lançou a idéia de que as populações se diferenciam aos poucos, de geração em geração, sofrendo alterações genéticas: animais e plantas mais adaptados ao ambiente sobrevivem e se reproduzem, passando seus genes aos descendentes. E, para Darwin, as mutações ocorrem ao acaso.
FERIDAS NARCÍSICAS
Escola em Shrewsbury, onde Charles Darwin estudou até os 16 anos: início da coleção de insetos
Em 1868, em História da criação natural, o zoologista alemão Ernest Heinrich Haeckel associou os nomes de Darwin e Copérnico, autor de outra grande revolução científica, em 1514: ele derrubou o dogma da Terra como centro do Universo. Faltava ainda a “terceira ferida narcísica”, que seria causada à humanidade um pouco mais tarde por Sigmund Freud. Em sua Introdução à psicanálise (1916), ele retoma os desmentidos do geocentrismo, de Copérnico, e os do antropocentrismo, de Darwin. Com a teoria psicanalítica e a formulação do conceito de inconsciente Freud infligirá o terceiro golpe à “megalomania da humanidade”, mostrando “ao ego que ele nem mesmo é o senhor de sua própria casa, que deve se contentar com informações raras e fragmentadas daquilo que se passa além de sua consciência, em sua vida psíquica”.
Membro respeitado e estimado pela comunidade científica, Darwin trabalhava com impressionante constância em um projeto que, inicialmente, não era uma certeza para ele mesmo. Falava sobre sua atividade com inquietude e mal-estar a um círculo restrito de amigos de confiança. Em suas notas, os célebres Cadernos, começados em 1837, Darwin já estava debruçado sobre o problema da continuidade entre o homem e os outros animais. Em alguns deles, abordava o tema da expressão das emoções, da consciência, das relações entre espírito e corpo, da distinção entre instinto e hábito ou instinto e faculdades superiores, assim como uma série de outras questões que o levaram a considerações de natureza filosófica, religiosa, moral e psicológica.
Os Cadernos de Darwin são recheados de informações, idéias improvisadas, indicações para aprofundamentos posteriores e reflexões. Em 30 de agosto, escrevia: “O espírito do homem não é mais perfeito que o instinto dos animais em muitas circunstâncias (...) nossa ascendência é, então, a origem de nossas paixões culposas! O diabo, sob a forma de um babuíno, é nosso ancestral!”. Pouco depois, em 4 de setembro, anotou: “Platão diz em Fédon que nossas 'idéias imaginárias' derivam da existência anterior da alma, não nascem da experiência”. Na seqüência, assinala: “Ler 'macaco' no lugar de 'existência anterior'”.
Plantas de 1832 do Beagle: durante expedição em redor do mundo, pesquisador ficou no lugar do naturalista oficial do navio, que se aposentou
EMPREENDEDORES LIBERAIS
Charles Darwin nasceu em 12 de fevereiro de 1809. Trazia consigo a marca de uma linhagem de homens inteligentes, sensíveis e empreendedores. O avô materno, Josiah Wedgwood (1730-1795), autodidata, criou, graças ao talento para experimentar novos materiais e técnicas de trabalho, aquela que se tornaria uma das principais fábricas de porcelana da Grã-Bretanha, fornecedora da Casa Real. Ele se casou com uma prima, Sarah, com quem teve oito filhos. A mais velha, Suzannah (1765-1817), foi a mãe de Charles.
O avô paterno, Erasmus Darwin (1731-1802) era médico, cientista, inventor e poeta. Foi um homem de intensa vida intelectual. Interessava-se por física, química, botânica e geologia. Em suas obras já sustentava teses avançadas sobre a transformação dos seres vivos e destacava o papel dos hábitos adquiridos durante o desenvolvimento embrionário e logo após o nascimento. Casou-se com Mary Howard, com quem teve cinco filhos, dos quais dois morreram muito jovens. O terceiro, Robert Waring Darwin (1766-1848), foi o pai do criador da teoria da evolução.
Josiah e Erasmus compartilhavam muitas posições políticas e ideológicas. Ambos eram membros do partido liberal inglês, declarados admiradores das revoluções francesa e americana e engajados em reformas sociais. A família Wedgwood construiria um povoado em torno de sua fábrica para alojar operários e suas famílias. Os dois homens, porém, não eram “benfeitores da humanidade” e sim representantes de uma classe social emergente e esclarecida: desde 1780 ambos adotaram posições claramente abolicionistas. Esse generoso discernimento caracterizou também as gerações subseqüentes das duas famílias, exercendo clara influência sobre Darwin quando, muitos anos depois, durante sua viagem científica, observava a deportação de escravos e a violência pela qual passavam.
AULAS DE ANATOMIA
A mãe de Charles morreu quando ele tinha oito anos e as irmãs mais velhas assumiram o comando da casa. Durante um ano, Charles freqüentou a pequena escola local. Em 1818, com nove anos, foi interno na escola de Shrewsbury, considerada uma das melhores da Inglaterra. Lá iria passar sete anos, sem grande aproveitamento e sem maiores alegrias. Os resultados obtidos foram, mais tarde, classificados pelo próprio Darwin como medíocres. Mas foi na instituição que começou a observar a natureza e a colecionar insetos e plantas.
Em 1825, seu pai decidiu enviar Charles a Edimburgo para estudar medicina com o irmão mais velho, mas a idéia de enfrentar as aulas de anatomia e manipular cadáveres era demais para ele. Durante o segundo ano de estudos, ele tinha orientado suas escolhas para a história natural (que, na época, compreendia zoologia, meteorologia, geologia e botânica, entre outras). Fazia parte da Plinian Natural History Society, uma associação de estudantes na qual eram discutidas questões como o espírito dos animais e dos homens. Dois anos depois ele fez sua única viagem a Paris e, após retornar a casa da família, abandonou os estudos de medicina. Entre 1828 e 1831 freqüentou a universidade de Cambridge e estudou matemática, filosofia moral e literatura clássica. Nesse período ampliou sua coleção de insetos.
Entre as leituras feitas em Cambridge, algumas obras despertaram sua vontade de “dar uma modesta contribuição ao nobre edifício da ciência da natureza”. Uma delas é Viagem às regiões equinociais do novo continente durante os anos 1799-1804, 1818, de Alexandre von Humboldt. Esse relatório de sete volumes sobre uma viagem à América do Sul, mostrava a diversidade de interesses de seu prolífico autor. Fascinado pelos relatos de Humboldt, Darwin sonhava empreender uma viagem a Tenerife, nas ilhas Canárias.
A BORDO DO BEAGLE
Em agosto de 1831 uma informação veio a calhar: o capitão Robert FitzRoy (1805-1865) da Marinha Real, procurava um companheiro de viagem instruído, pronto para embarcar sem treinamento para ajudar o naturalista do navio Beagle a cartografar as costas da América do Sul. O navio estava equipado para pesquisa científica e Darwin era suficientemente bom naturalista para aproveitar a oferta providencial. Em sua Autobiografia, anos depois, Charles escreveu: “Soube que quase não fui incluído na missão por causa do formato do meu nariz! Fiel discípulo de Lavater, FitzRoy pensava poder avaliar o caráter de um homem com base em características morfológicas e ele duvidava que alguém com um nariz como o meu tivesse energia e determinação suficientes para a viagem. O tempo provaria que meu nariz o havia enganado”. Darwin, aliás, ficaria no lugar do naturalista oficial do Beagle, que se aposentou.
Sua tarefa era melhorar mapas das costas da América, traçados em uma expedição anterior, desenhar os contornos da Patagônia, da Terra do Fogo e de várias ilhas, entre as quais as Falkland. Também havia o objetivo de registrar condições meteorológicas, marés e ventos. Naquela época de grande expansão comercial da Grã-Bretanha era fundamental identificar rotas e pontos de desembarque estratégicos.
A cada escala do Beagle, Darwin desembarcava, explorava a região, cruzava planícies e florestas, escalava montanhas e atravessava rios. Em todo lugar, colhia espécies de pássaros, insetos, répteis, peixes, mamíferos, animais selvagens e domesticados. Observava hábitos e os descrevia, identificava e comparava, anotando sua localização. Em suas explorações, fez descobertas excepcionais, como um conjunto de ossadas fósseis de mamíferos terrestres gigantes em Punta Alta, na Argentina.
Passados 150 anos, as idéias de Darwin (embora incontestáveis) ainda geram polêmica. Pouco antes de desembarcar no Brasil, o papa Bento XVI afirmou que a teoria da evolução “não é conclusiva”. Em vários países, seguidores de inúmeras religiões ensinam às crianças que nascemos de Adão e Eva. No Brasil, a ex-governadora do Rio de Janeiro Rosinha Matheus também causou polêmica ao defender o ensino da tese de que a criação do Universo e da vida é resultado da intervenção divina, como está na Bíblia, nas escolas estaduais. “Isso é propaganda enganosa. Os alunos deveriam procurar o Procon”, afirmou, na época, o presidente Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ennio Candotti.
1809 – Nasce em Shrewsbury, Inglaterra.
1828 – Interrompe os estudos na faculdade de medicina e se inscreve na Universidade de Cambridge para se tornar pastor anglicano.
1831 – Parte no navio Beagle em 27 de dezembro para uma viagem ao redor do mundo; durante o trajeto Darwin se torna o naturalista oficial da missão.
1832 – A expedição passa pelo Brasil.
1844 – Começa a trabalhar na teoria da evolução.
1859 – Publica A origem das espécies por meio da seleção natural.
1871 – Publica A descendência do homem e a seleção sexual.
1872 – Publica A expressão das emoções no homem e nos animais.
1882 – Morre em 19 de abril.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/descobridor_de_origens.html
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