sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O som dos animais e a voz humana.



A complexidade de nossa linguagem está nas estruturas frasais.
Quando quer parecer grande, o veado-vermelho estica a cabeça para o alto e solta um rugido bem grave. “Ouçam como eu sou grande e forte!”, é o que ele deseja dizer. Segundo os biólogos, seu recado é compreendido: as fêmeas se aproximam interessadas e os rivais preferem não chamar a atenção. É verdade que nós, humanos, não costumamos rugir, mas reagimos a sons em diferentes alturas de forma semelhante aos animais. Em 1994, o cientista bioacústico William Tecumseh Fitch descobriu, durante sua pesquisa para o doutorado na Universidade Brown, em Providence, Rhode Island, que as pessoas conseguem concluir, só pela altura do tom de voz, qual a estatura de seu interlocutor. Quanto mais grave soa a voz, maior nós o imaginamos, mesmo quando ouvimos sua fala apenas em um gravador. Portanto, aparentemente, assim como o veado e outros animais, nós associamos a voz ao tamanho. Mas será que essa semelhança é apenas uma peça pregada pela evolução?


Segundo Fitch, quem examinar com mais detalhes as semelhanças entre o aparelho fonador e a comunicação em homens e animais provavelmente vai compreender como nos tornamos capazes de falar. Ele questiona se nós, assim como o veado, aprendemos em algum momento a empurrar, com o ar, a laringe para baixo a fim de criar uma “caixa acústica” maior para nossa voz. E mais: será que, ao procriarem, os “empurradores de laringe” potentes repassaram geneticamente sua vantagem anatômica através de gerações, providenciando, assim, o pressuposto para o nascimento de nossa linguagem?


Para o linguista Noam Chomsky, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), essas habilidades são comparáveis às desajeitadas tentativas de um homem de alçar vôo como um pássaro: nós podemos amarrar asas a nosso corpo e, com muito treino e boas condições, voar por alguns metros, mas não conseguimos fazê-lo de verdade.


Segundo ele, há também uma diferença de qualidade significativa entre homens e animais no que diz respeito à linguagem. De um lado, há a inacreditável quantidade de palavras e significados que nós conseguimos processar mentalmente. Por exemplo, o falante de língua portuguesa tem a sua disposição, cerca de 400 mil possibilidades, segundo a Academia Brasileira de Letras. E, mesmo que esse conhecimento, em muitos casos, adormeça, isto é, seja adquirido, mas não utilizado ativamente, ele pode a qualquer momento ser retomado e expandido. No entanto, não se trata apenas de quantidade. “O segredo está na gramática”, diz Marc D. Hauser, professor de psicologia da Universidade Harvard.
A característica que distingue decisivamente a capacidade linguística humana da animal é a complexidade das estruturas frasais que nós utilizamos e compreendemos. Primatas não-humanos não conseguem, por exemplo, construir estruturas intricadas como: “A mulher, cujo vestido, que não era de todo feio, farfalhava ao caminhar, sentou-se a meu lado”. Até mesmo os espertos chimpanzés pigmeus do Laboratório Linguístico da Geórgia falhariam com “A mulher, cujo vestido farfalhava...”. Ou seja, orações relativas são para humanos.


Essa interpretação não é nova. Noam Chomsky já a havia formulado como hipótese de trabalho nos anos 60: a linguagem humana é hierarquicamente estruturada, admitindo, portanto, níveis superiores e inferiores. Só agora, porém, psicólogos e estudiosos do cérebro começaram a encontrar provas empíricas para tal pressuposto. Para tanto, eles utilizaram a estrutura básica de toda gramática. Com a ajuda de um número finito de regras, palavras são transformadas em frases – em princípio, em um número infinito delas. A regra da oração relativa, por exemplo, funciona assim: “Quando você encontra uma expressão como 'a mulher', pode atrelar a ela uma oração relativa”.


Com isso, surge algo como “A mulher, cujo vestido farfalhava ao caminhar...”. Após essa inserção, a oração, cujo sujeito é “a mulher”, pode continuar: “A mulher, cujo vestido, que não era de todo feio, farfalhava ao caminhar, sentou-se a meu lado”. Então a regra da oração relativa também pode ser aplicada à nova oração inserida e assim por diante: “A mulher, cujo vestido, que seu marido, cujo irmão...”. Recursividade é o nome dado pelos linguistas a esse princípio de autorrelatividade. Apenas nosso senso estilístico e os limites de nossa memória ativa nos impedem de continuar a frase ad infinitum. Mas impossível não é.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/o_som_dos_animais_e_a_voz_humana.html

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