quinta-feira, 24 de novembro de 2011
O valor simbólico do alimento.
Mais que nutrir, comer e beber são formas de interação social; as refeições estão vinculadas a percepções primordiais de amor e aceitação.
Há muito se sabe que comer não é apenas um modo de se manter vivo e aplacar a fome, mas também um meio de comunicação e forma de obter prazer. Muitos conflitos emocionais, porém, revelam-se na forma de sintomas vinculados aos hábitos alimentares. Experiências da infância associadas à alimentação costumam deixar fortes marcas, tanto que a maior parte das pessoas fica ligada a sabores e alimentos aos quais foi habituada.
Além disso, os ritos à mesa favorecem a coesão social e por isso mesmo as diferenças culturais são tão evidentes e significativas nesse campo. É difícil encontrar, por exemplo, um italiano que queira comer pasticcio de rim, um prato comum entre os ingleses. Já os chineses são loucos por pés de frango, a parte da ave menos valorizada pelos brasileiros. Para os americanos, os mexilhões são moluscos repugnantes. Essas e outras preferências são resultado de aprendizagens precoces embasadas na imitação. A primeira fonte de informação é a família, mas assim que vão para a escola as crianças começam também a observar como os colegas se alimentam. Agir como os outros – comer e beber como eles – significa integrar-se ao grupo – empenhar-se para não ser excluído.
Já nas primeiras horas de vida o mundo entra pela boca. Junto com o leite, o bebê recebe o calor, o toque e o cheiro de quem o alimenta. Sente, ainda que de forma sutil, a presença – ou a falta – do afeto. E, depois das primeiras mamadas, a fome jamais será apenas de alimento. Ao longo da existência, as relações continuam permeadas pelos significados simbólicos que a comida assume na vida de cada um. A criança, por exemplo, sabe, mesmo que intuitivamente, que o alimento é um ponto delicado, é capaz de perceber o valor que o pai e a mãe dão às refeições. Assim, recusá-las é um modo de exercitar a chantagem afetiva. As técnicas usadas pelas crianças são conhecidas: há quem não toque na comida; quem a segure na boca por muito tempo cuspindo-a depois; quem só coma fora dos horários das refeições.
No entanto, nem sempre a iniciativa parte dos pequenos. Às vezes os pais insistem para que as crianças comam alimentos de que não gostam, não levando em consideração que os gostos na infância são diferentes dos que se estabelecem mais tarde. Ou então as estimulam a comer mais que o necessário, o que favorece a confusão entre alimento, prazer e afeto.
A equação alimento = amor e aceitação está tão consolidada que, quando os filhos não comem muito, certos pais sentem-se culpados por achar que não estão cumprindo seu papel. Preocupam-se quando percebem que a criança come menos, sem considerar que o processo de desenvolvimento não mantém sempre o mesmo ritmo: há momentos de crescimento intenso – como os dois primeiros anos de vida ou o início da adolescência – e há também fases mais atenuadas, em que a necessidade de alimento é menor. Se a criança ou o adolescente são saudáveis, deveriam ser capazes de autorregular-se com base nos sinais de fome e saciedade que vêm do organismo.
Se forem muito estimulados, poderão enjoar da comida, tornar-se resistentes aos sinais do estômago ou comer mais que o necessário e entrar na espiral da polifagia ou da bulimia. Nesse caso, o risco consiste em associar as sensações de estômago e intestino estufados à condição psicológica de saciedade e bem-estar. Sob o estímulo de um reflexo condicionado, comer em excesso pode se transformar em uma maneira rápida, imatura e inconsciente de buscar consolo, de enfrentar frustrações e decepções, de combater o tédio ou de preencher um vazio afetivo, com todas as consequências que isso acarreta para o próprio desenvolvimento físico e psicológico.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/o_valor_simbolico_do_alimento.html
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