domingo, 15 de julho de 2012

Em busca de Vênus.

Os filósofos a relacionam principalmente com a arte. os psicólogos consideram-na pura sensação de prazer. para o consumidor padrão é apenas questão de gosto. mas o que é afinal a beleza? uma palavra? um valor? um sentimento?

Nascimento de Venus , Botticelli


Um menino dá um torrão de açúcar a um pônei e sente na palma da mão a maciez e o calor dos lábios do animal. Um escultor contempla a estátua recém-concluída que corresponde exatamente ao que desejava expressar. Um malabarista executa um novo número que, depois de um longo treinamento, está pronto para ser apresentado ao público. O que há de comum entre essas pessoas? Todas elas tiveram uma experiência que se poderia denominar "bela", em diferentes sentidos.

A questão sobre o que é ou não belo acaba influenciando muitos aspectos de nossa vida. Por quem vamos nos apaixonar, como decorar nossa casa, que roupa comprar - em todos esses casos considerações estéticas desempenham papel muito importante. O mesmo acontece com os assuntos discutidos com outras pessoas: filmes, viagens, livros, bebidas, homens, mulheres, partidos políticos. Em todas essas conversas as opiniões variam entre os extremos "Adoro!" e "Acho insuportável!".

Qualquer coisa pode ser bela: a modelo mais requisitada do mundo, um jantar com amigos, o gol da vitória do time preferido no fim do campeonato ou uma conferência científica sobre a origem do Universo.
Muitos poderiam objetar contra o uso inflacionado da palavra "belo" nesses contextos profanos, dizendo que se trata aqui de um tipo de beleza diferente do de uma cantata de Bach, um poema de Rilke ou ainda um quadro de Da Vinci. Essa opinião corresponde à teoria de uma "estética a partir do alto" - defendida por filósofos e críticos literários -, que confina a beleza quase exclusivamente no contexto das produções artísticas, não admitindo o sublime de paisagens, pessoas, objetos de uso diário e teorias científicas.

Entretanto, pela falta de comprovação empírica, os princípios dessa estética ficavam limitados ao domínio teórico-especulativo, não sendo possível convencer ninguém de sua validade.

BACH GRATIFICANTE
Mas os cientistas que investigam os processos cognitivos encontraram pistas indicando que faz sentido empregar o conceito de beleza na concepção mais ampla utilizadada na linguagem cotidiana. Estudos realizados com o auxílio dos modernos métodos de imageamento cerebral mostram que o cérebro reage de forma semelhante diante de uma obra de arte, de uma boa conversa ou do rosto de uma supermodelo.

A música - como as já mencionadas cantatas de Bach, por exemplo - ativa em parte as mesmas áreas cerebrais que uma boa relação sexual, a saber, o centro de recompensa que produz o sentimento de bem-estar. Isso é no mínimo um sinal de que a experiência do belo não se reduz apenas à arte. Mas o que é, afinal, a beleza? Um sentimento? E como se poderiam conciliar as novas descobertas de neurologistas e psicólogos com toda a sabedoria acumulada por filósofos sobre as percepções estéticas?

Um fundamento empírico já estava sendo buscado desde o século XIX pela chamada "estética a partir de baixo". Essa estética considerava a experiência do belo do mesmo modo como ela é concebida hoje por muitos psicólogos cognitivos: um fenômeno corriqueiro que pode ser investigado experimentalmente, por meio do prazer que um indivíduo sente em determinada situação. Com esse método, a pesquisa psicológica descobriu muitas coisas sobre o efeito de determinadas cores ou motivos musicais, e pôde sondar quais figuras geométricas, rostos e paisagens nos agradam particularmente.

A biologia evolutiva também permite explicar a atratividade. É fato comprovado que pessoas no mundo inteiro acham mais agradáveis re-giões fluviais e lugares com vegetação verde e exuberante que desertos e montanhas escarpadas, e o fundamento disso é fácil de perceber. Para nossos antepassados, viver naquelas áreas representava uma vantagem, de um lado pela facilidade de conseguir alimento e água, de outro porque ofereciam defesa contra seus inimigos. Esse "ideal de beleza", pela vantagem seletiva proporcionada, ficou programado de algum modo em nosso patrimônio genético.

FIGURAS ATRAENTES
A explicação é plausível, mas, como a maioria das interpretações evolutivas do comportamento humano, não está cientificamente comprovada. Mesmo que a biologia molecular chegue algum dia a descobrir o gene da predileção pelos rios ou pelos rostos simétricos, será muito difícil esclarecer quando e como esses genes se estabeleceram em nossa herança genética.

A psicologia experimental deu origem também à chamada estética informacional, campo que adquiriu grande popularidade nas décadas de 60 e 70. Com auxílio de gráficos gerados por computador, pesquisadores averiguaram quais formas e padrões nos proporcionam maior prazer. E demonstraram serem os padrões gráficos que estimulam a capacidade investigativa do observador, isto é, aqueles capazes de despertar sua curiosidade.

Figuras muito simples nos parecem monótonas; as muito complexas surgem como uma massa confusa e tampouco despertam interesse. As figuras consideradas mais atraentes pela maioria das pessoas têm exatamente o nível de complexidade capaz de produzir no aparelho perceptivo estruturas de ordem superior, chamadas "supersignos". Ou seja, um padrão dotado de beleza é caracterizado por um grau ótimo de densidade informacional.

É possível explicar, segundo esse modelo, por que achamos belos os rostos simétricos. Mas a tentativa revela também a fragilidade da estética experimental. Para descobrir qual proporção e qual medida de ordem e complexidade são especialmente agradáveis, os pesquisadores da estética informacional apresentaram aos participantes da experiência figuras geométricas simples.

Mas círculos, ângulos retos e outros padrões elementares pouco têm a ver com os objetos da vida cotidiana. É claro que a ordenação interna de um quadro pode ser levada em conta para avaliá-lo esteticamente, mas papel muito mais relevante é desempenhado pelo que acrescemos a uma obra, o significado que ela assume para nós, os sentimentos e associações que desperta. E esses critérios, que tanto influem no julgamento estético, não são apreendidos em experiências de laboratório.

Além disso, muitas tentativas de fundamentar a estética partem de forma mais ou menos tácita de um pressuposto superado, originado com o filósofo alemão Alexander Baumgarten, o fundador da estética moderna. Ele definiu, já no século XVIII, a experiência estética como a forma "sensível" do conhecimento - em oposição à forma "racional-conceitual". O belo, portanto, representaria o pólo oposto da razão; a produção intelectual e a sensibilidade estética estariam divididas em duas esferas separadas por completo.

No entanto, todo matemático confirmará que o pensamento racional possui qualidades marcadamente estéticas: a elegância das fórmulas, a simetria dos teoremas, o rigor das provas. "Sem estética a ciência não funciona", afirmou Roger Penrose, da Universidade de Oxford junto com o físico Stephen Hawking, um dos pais da teoria dos buracos negros.
Há 35 anos, o filósofo americano Nelson Goodman, em seu livro Languages of art, censurava essa separação estrita entre as esferas cognitiva e emocional, afirmando que ela está na origem da maior parte das dificuldades na busca de uma teoria da estética: "Colocamos, de um lado, impressões dos sentidos, percepções, deduções, hipóteses, fatos e verdade; de outro, prazer, dor, interesse, satisfação, reações emocionais, simpatia e aversão. Com isso tornamo-nos incapazes de perceber que as emoções funcionam cognitivamente na experiência estética".

EFICIÊNCIA E ELEGÂNCIA
Uma confirmação disso é dada pela neurociência. Diversos experimentos revelam que os sentimentos acompanham quase todas as tarefas cognitivas. Mais ainda: sem essas marcas emocionais o cérebro não seria capaz de concluir um grande número de tarefas. Assim, pessoas com danos em áreas cerebrais responsáveis pela avaliação emocional ficam quase incapazes de julgar adequadamente novas informações.

Se a cognição e a emoção estão tão unidas, não faz sentido separá-las na experiência estética. Aquilo que nós consideramos belo não é sempre racional, embora a pura racionalidade, enquanto tal, possa ser muito bela. A eficiência e a elegância estão estreitamente ligadas, como mostram não apenas um escultor mas também um pizzaiolo iniciante aprendendo a dar forma perfeitamente circular a um pedaço de massa com um rápido movimento das mãos - algo que não deixa de ser belo, tal qual uma argumentação rigorosa ou a conclusiva fundamentação de uma teoria científica.

As duas estéticas - tanto a partir do alto quanto a partir de baixo - interromperam seu movimento no meio do caminho. Não seria possível prosseguirem em direção uma à outra e chegarem finalmente a um consenso?

Assim como em muitas outras questões de fronteira entre psicolo-gia e filosofia, a neurociência tal-vez signifique um novo impulso. Ela inicialmente se opõe à idéia da beleza como pura sensação de prazer ou alegria. Por exemplo, quando são mostradas fotos de rostos femininos atraentes a participantes de um experimento, o centro de recompensa no núcleo accumbens só é ativado se a beldade representada estiver com os olhos fixos no observador.

Quando não há o contato visual, aquela região cerebral permanece relativamente calma, mas ainda assim os indivíduos testados acham os rostos bonitos. A beleza pode, portanto, prover um sentimento de prazer por meio da ativação do centro de recompensa, mas a decisão sobre se um rosto é atraente ou não independe disso.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/em_busca_de_venus.html

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