sexta-feira, 27 de julho de 2012

O incrível caso de Phineas Gage.

Em 1848, Phineas Gage, um jovem e zeloso capataz de apenas 25 anos sofreu um acidente e tem transformada por completo sua personalidade.


Em 1848, Phineas Gage era supervisor de construção de ferrovias da Portland & Burland Railroad. Impávido e dotado de um senso de responsabilidade incomum, o jovem e zeloso capataz – ele tinha apenas 25 anos de idade – reservava para si as tarefas mais perigosas. Poupando os seus subordinados das atividades que envolvessem sérios riscos, assumia pessoalmente a responsabilidade de explodir as rochas situadas no traçado da estrada de ferro.

Cranio e imagem de Phineas Gage, reconstituída a partir da máscara mortuária


Naquele fim de tarde, em Vermont, Estados Unidos, o jovem capataz protagonizou um acidente histórico, que permitiu à Ciência constatar que os danos ao córtex cerebral afetam a personalidade do indivíduo.
Uma carga de pólvora fora colocada pelo próprio supervisor na abertura de uma rocha. Então Gage empunhou uma barra de ferro de um metro de cumprimento e 2,5 centímetros de diâmetro para socar o orifício. Inadvertidamente, a barra resvalou na abertura do buraco. O atrito ocasionou uma fagulha, que fez a pólvora acender. Conforme esclarece R. M. E. Sabbatini (http://www.cerebromente.org.br/n02/historia/phineas_p.htm), a explosão que se seguiu “projetou a barra, com 2.5 cm de diâmetro e mais de um metro de comprimento contra o seu crânio, a alta velocidade. A barra entrou pela bochecha esquerda, destruiu o olho, atravessou a parte frontal do cérebro, e saiu pelo topo do crânio, do outro lado. Gage perdeu a consciência imediatamente e começou a ter convulsões. Porém, ele recuperou a consciência momentos depois, e foi levado a médico local, Jonh Harlow que o socorreu. Incrivelmente, ele estava falando e podia caminhar. Ele perdeu muito sangue, mas depois de alguns problemas de infecção, ele não só sobreviveu à horrenda lesão, como também se recuperou bem, fisicamente.”

Como ficou Phineas Gage após o acidente


Todavia, o zeloso Gage anterior à explosão, “descrito como equilibrado, meticuloso e persistente quanto aos seus objetivos, além de profissional responsável e habilidoso”, conforme pondera Cristina Marta Del-Ben (http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-60832005000100004), simplesmente desapareceu. Em seu lugar, assomou, conforme concluiu o neurobiologista António Damásio, “uma pessoa impaciente, com baixo limiar à frustração, desrespeitoso com as outras pessoas, incapaz de adequar-se às normais sociais e de planejar o futuro. Não conseguiu estabelecer vínculos afetivos e sociais duradouros novamente ou fixar-se em empregos.”

Embora tenha milagrosamente sobrevivido à explosão, o capataz, que permanecera o resto da vida com a barra de ferro transfixada na face, tornou-se mesmo uma pessoa completamente diferente. Pouco tempo depois ao acidente – acresce Sabbatini – Phineas começou a ter mudanças surpreendentes na personalidade e no humor. “Ele tornou-se extravagante e anti-social, praguejador e mentiroso, com péssimas maneiras, e já não conseguia manter-se em um trabalho por muito tempo ou planejar o futuro.” O Phineas sobrevivente – pontuam William K. Purves, David Sadava e Gordon H. Orians – “era briguento, mal humorado, preguiçoso e irresponsável. Tornou-se impaciente e obstinado, passando a usar um linguajar rude nunca antes utilizado por ele.” “Phineas já não é mais Phineas”, diziam seus amigos.

Imagens do crânio e da barra de ferro que atingiu Phineas Gage


Estudos recentes, desenvolvidos pelos neurobiologistas portugueses Hanna e António Damásio, indicam que a maior parte dos danos sofridos por Gage incidiu sobre a região ventromedial dos lobos frontais, em ambos os lados, sem que a área cerebral responsável pela fala e funções motoras fosse afetada. Os cientistas, da Universidade de Iowa, empregaram técnicas de computação gráfica e de tomografia cerebral para avaliar a possível trajetória da barra de ferro, concluindo que as alterações de comportamento provavelmente decorreram da lesão. Observaram os pesquisadores que outros pacientes, com lesões semelhantes à de Gage, igualmente apresentaram déficits nos processos de decisão racional e no controle das emoções.

William K. Purves, David Sadava e Gordon H. Orians apontam que Gage passou o resto de sua existência como um desocupado, ganhando a vida contando a sua história, exibindo a barra de ferro e as suas cicatrizes. Ele morreu treze anos depois do acidente, pobre e epilético. Seu crânio, sua máscara mortuária e a barra de ferro estão em exibição no Museu da Faculdade de Medicina da Universidade de Havard.

Reconstituição dos danos sofridos por Gage por computação gráfica


O terrível acidente que vitimou Phineas Gage permitiu à medicina constatar, em definitivo, que a personalidade do indivíduo reside no encéfalo. O acidente tornou-se um caso clássico nos livros de ensino de neurologia, já que, conforme pondera Sabbatini, a parte do cérebro afetada – os lobos frontais – passou a ser associada às funções mentais e emocionais que, no caso de Gage, ficaram alteradas. Ou, em síntese, como disse António Damásio,"Gage foi o início histórico dos estudos das bases biológicas do comportamento".

Crânio de Phineas Gage

Desde essa data, Phineas Gage é um dos casos clássicos da neurociência. Como uma lesão cerebral pode mudar totalmente o comportamento de uma pessoa. Como partes do cérebro afetadas oferecem um imenso impacto em quem você é. Ainda hoje, Gage é estudado por vários cientistas. No entanto, muitos dados estão se perdendo. Para começar, nunca foi feito uma autópsia quando da morte de Gage. Somente seu crânio foi preservado, mas como todos tecidos que outrora foram vivos, ele está se deteriorando. Em 2001, foram feitos os últimos trabalhos com tomografia do crânio de Phineas Gage, mas os resultados desapareceram na mixórdia burocrática.



Agora, alguns pesquisadores estão trabalhando para reaver estes dados. Alguns dos arquivos da tomografia computadorizada foram encontrados e esses dados foram passados por tratamento digital, modelando-os mediante o crânio de outro homem de idade e compleição semelhantes. O dr. Jack Van Horn foi um dos que participaram dessa pesquisa, publicando um artigo no ano passado no periódico PLoS One .

No trabalho, Van Horn, professor assistente da Universidade da Califórnia, estuda a arquitetura do cérebro de Phineas Gage, estabelecendo como aconteceu o acidente em nível neurológico e quais as partes afetadas têm relação com o comportamento. Os pesquisadores da UCLA descobriram que os seus modelos mostram que quase 11% da substância branca de Gage fora danificada, bem como 4% do córtex cerebral.

Os resultados sugerem que as perturbações da conectividade do cérebro de Gage, através da lesão da substância branca, reverberou por todo o cérebro, cortando as ligações entre os lobos frontal esquerdo, frontal direito e as estruturas límbicas do cérebro. Essa lesão que Phineas Gage sofreu acontece em muitos outros casos, não necessariamente por barras de ferro pontiagudas. Algumas doenças degenerativas também afetam o cérebro de maneira similar e estudando as lesões sofridas por um operário do século XIX pode trazer informações úteis sobre tratamentos que deverão ser feitos no século XXI.



Phineas Gage não viveu muito. Ele faleceu em 21 de maio de 1860, aos 36 anos de idade. Pode-se até dizer que naquela época já não se vivia muito e o fato de escapar de um acidente com uma barra de ferro enterrada na sua cabeça merece servir de crédito. Não obstante, Gage não terminou saudável. Morreu pobre, quase esquecido e epilético. Seu acidente ainda é estudado hoje e seu nome consta em muitos livros e publicações. Um homem humilde que se tornou famoso no ramo científico e se tornou um dos Grandes Nomes da Ciência.

Descanse em paz, Mr. Gage. O senhor já fez muito por nós, mesmo tendo o péssimo humor no final de sua vida.

Fontes: http://sobrenatural.org/materia/detalhar/4539/o_incrivel_caso_de_phineas_gage/
http://ceticismo.net/2012/05/17/grandes-nomes-da-ciencia-phineas-gage/

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