quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Dossiê: De bem com a vida - Alegria como remédio.

Como foi mostrado em outros posts, a revista Mente e Cérebro publicou uma trilogia de reportagens acerca dos mecanismos cerebrais que medeiam o amor e o desejo. Agora, vamos postar outra trilogia dessa revista que fala sobre a felicidade: como podemos desenvolver melhor esse sentimento, como o cérebro processa as ações que desencadeiam a melhora da qualidade de vida.
Segue abaixo na íntegra a primeira parte.


Alegria fortalece o corpo e a mente, além de nos preparar para melhor enfrentar tempos de crise
por Barbara L. Fredrickson

Há 70 anos, Cecilia O'Payne fez seus votos perpétuos na congregação das Irmãs Pobres de Nossa Senhora em Milwaukee, Estados Unidos. Na ocasião, a madre superiora lhe pediu que escrevesse um breve relato sobre a própria vida, incluindo fatos decisivos da infância e dos tempos de escola, bem como experiências de natureza religiosa que tivessem contribuído para levá-la ao convento.



Décadas depois, o relato de Cecilia foi publicado, juntamente com as anotações de outras noviças que haviam ingressado na congregação na mesma época. Três psicólogos da Universidade de Kentucky decidiram examinar o material. Eles realizaram, na ocasião, um amplo estudo sobre envelhecimento e mal de Alzheimer. Os psicólogos David Snowdon, Wallace Friesen e Deborah Danner avaliaram 178 relatos autobiográficos, a fim de definir seu “teor emocional” com base em manifestações de felicidade, interesse, amor e esperança. O que observaram foi notável: aparentemente, as freiras alegres viveram até dez anos mais que as que pouco enxergavam o lado bom de sua existência terrena.

Há muito tempo cientistas notaram que, em geral, as pessoas que se sentem bem vivem mais. Essa descoberta, porém, suscita mais perguntas que respostas. Como pode a confiança no futuro ajudar no prolongamento da expectativa de vida? É possível que bons sentimentos vividos hoje tenham conseqüências de tão longo prazo? E, se é assim, como encarar as emoções positivas: são uma questão de destino ou podem ser geradas deliberadamente?

Uma nova disciplina, a “psicologia positiva”, começa a dar as primeiras respostas a essas perguntas. Fundada há uma década, é fruto da iniciativa de Martin E. P. Seligman, então presidente da Associação Americana de Psicologia (APA). Como muitos psicólogos, ele dedicou boa parte de sua carreira de pesquisador ao estudo das doenças mentais. No que se refere à busca de uma cura para transtornos psíquicos, progressos significativos foram feitos nos últimos 50 anos. Por outro lado, a psicologia produziu poucos métodos capazes de ajudar as pessoas a alcançar maior plenitude pessoal. Seligman queria corrigir esse desequilíbrio e com a ajuda do psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi, da Universidade de Chicago, recomendou aos pesquisadores que se dedicassem à investigação daquilo que “faz a vida valer a pena”.

Há diversas razões para os sentimentos considerados positivos terem sido alvo de pouca atenção no passado. Em primeiro lugar, essas emoções são mais difíceis de investigar que seus equivalentes negativos. Alegria, prazer e satisfação não se distinguem entre si com tanta nitidez quanto irritação, tristeza e medo. Assim, a ciência diferencia apenas um punhado de bons sentimentos: para cada emoção positiva identificada existem três ou quatro negativas.



Também nossas possibilidades de expressão corporal revelam-se mais bem compartimentadas quando se trata de emoções que causam desconforto. No mundo todo, qualquer pessoa é capaz de distinguir com precisão uma expressão raivosa ou triste ou amedrontada. No pólo oposto, toda expressão espontânea de contentamento – seja ela de júbilo, vitória ou bemaventurança – apresenta sempre os mesmos atributos: os cantos da boca se alçam e os músculos em torno dos olhos contraem-se involuntariamente, fazendo com que as maçãs do rosto se elevem e pequenas rugas surjam ao redor dos olhos.

Problemas ancestrais

A distribuição desigual de recursos atinge até o sistema nervoso autônomo, que comanda órgãos internos, vasos sangüíneos e glândulas. Há 20 anos, os psicólogos Paul Ekman e Wallace Friesen, da Universidade da Califórnia em São Francisco, e Robert Levenson, da Universidade de Indiana, demonstraram que irritação, medo e tristeza provocam reações mensuráveis do corpo, o que não se verifica em relação a diversas emoções prazerosas.

Por fim, também a metodologia de investigação representa um problema. Com freqüência, cientistas tentaram abordar a questão dos bons sentimentos valendo-se de modelos desenvolvidos para seus congêneres negativos. Estes trazem consigo o impulso para que se aja de determinada maneira: a irritação gera a necessidade do ataque, o medo compele à fuga, o nojo produz o desejo de vomitar. É claro que nem sempre obedecemos às cegas a tais impulsos; ainda assim, a margem de manobra no tocante à ação se estreita num instante. Quem sente medo não apenas pensa na fuga: também seu corpo se prepara para essa ação, elevando tanto a freqüência cardíaca como a pressão arterial.

Vistas dessa maneira, as emoções desconfortáveis nada mais são do que soluções eficazes para problemas recorrentes com que já se debatiam nossos ancestrais. Emoções positivas, no entanto, não se deixam explicar com tanta facilidade. Do ponto de vista evolutivo, alegria, prazer e gratidão parecem ter sido de pouca utilidade na garantia da sobrevivência. Terão representado alguma vantagem na nossa capacidade de adaptação ou apenas sinalizariam ausência de perigo?

A influência que estados de ânimo positivos exercem sobre pensamento e comportamento admite investigação psicológica. Em um de nossos experimentos, mostramos trechos curtos de filmes às pessoas, com o intuito de induzi-las a determinado estado emocional. Um bando de pingüins brincalhões gingando no gelo gerou alegria; pacíficas cenas da Natureza, serenidade. O medo foi suscitado com imagens de alturas vertiginosas, e a tristeza, mediante cenas de morte e de funerais. As imagens-controle mostravam um velho e aborrecido protetor de tela de computador.

Imediatamente após essa pequena sessão de cinema, testamos a capacidade dos participantes de entreter novos pensamentos. Para tanto, mostramos a eles um conjunto de três figuras geométricas e perguntamos qual de dois outros conjuntos mais se parecia com o primeiro. Não se tratava de obter uma resposta certa ou errada: em um caso, as figuras se assemelhavam em sua configuração geral; em outro, no detalhe. Esse “exame de vista” mostrava, porém, se uma pessoa percebia, antes, a impressão geral ou se, ao contrário, se concentrava nos detalhes. Os resultados revelaram que os bem-humorados tenderam a se orientar pela forma global – sinal de pensamento mais abrangente. Os mal-humorados, ou neutros, se concentraram nos detalhes.

Mais que talento

Efeitos semelhantes foram observados pela psicóloga Alice Isen, da Universidade Cornell, em Nova York. A fim de mensurar o efeito dos sentimentos positivos sobre a criatividade, ela usou o teste das “associações remotas” do psicólogo Sarnoff Mednick. A tarefa dos participantes consistia em, diante de três palavras, encontrar uma quarta que apresentasse nexo temático com as anteriores. Se, por exemplo, as palavras são “humor”, “quadro” e “noite”, a resposta correta é “negro”. Antigamente esse teste era empregado para determinar diferenças individuais de criatividade. Isen, no entanto, aplicou-o apenas a pessoas consideradas bem-humoradas. As mais contentes foram as que demonstraram melhor capacidade associativa. Criatividade, portanto, não é só questão de talento, mas também de humor apropriado.

Em outros experimentos, a psicóloga investigou se a capacidade diagnóstica de um médico dependia de sua disposição emocional. Ela deu a alguns médicos um saquinho de doces e pediu que pensassem em voz alta enquanto examinavam o caso de um paciente com um problema no fígado. Comparados aos demais, os médicos premiados com doces não apenas avaliaram com mais rapidez os diferentes dados, como demonstraram menor tendência a se fixar em um único pensamento, revelando-se dispostos a descartar conclusões precipitadas. Outro experimento semelhante mostrou que mediadores bem humorados saíram-se melhor no encaminhamento de negociações complexas. Conclusão: o pensamento das pessoas que se sentem bem é mais criativo, mais flexível, mais abrangente e mais aberto.

Assim como as emoções positivas dão origem a novas idéias e novas possibilidades de ação, elas podem conduzir também a mudanças profundas e duradouras. Quando as crianças riem em plena folia ou os adultos se divertem jogando futebol, sua motivação pode ser meramente hedonista; mas o fato é que, ao fazê-lo, estão construindo recursos físicos, intelectuais e sociais: o movimento faz bem à saúde, as estratégias de jogo contribuem para a capacidade de solucionar problemas, a camaradagem fortalece laços sociais. Estudos mostram que algo semelhante acontece também com macacos, ratos e esquilos.

Testamos também a relação entre resistência psíquica e alegria de viver. Solicitamos aos participantes dessa experiência que descrevessem seu estado emocional e sua visão do futuro. Entrevistamos o mesmo grupo de pessoas seis meses depois. Nesse meio tempo, as torres gêmeas do World Trade Center vieram abaixo. Como era de esperar, quase todos estavam abatidos na segunda entrevista e mais da metade foi diagnosticada com depressão. No entanto, aqueles nos quais havíamos identificado, no início do ano, maior capacidade de resistência seguiram nutrindo alguns sentimentos positivos, mesmo depois do 11 de Setembro. A gratidão foi o mais mencionado. Os otimistas disseram, por exemplo, ter constatado que “a maioria das pessoas neste mundo é boa”. O ânimo manifestado diante da vida claramente os havia protegido da depressão.

Encontramos, enfim, uma maneira de medir o efeito fisiológico provocado pelas emoções positivas. Era plausível supor que sentimentos bons modificassem a reação do organismo ao stress. Isso fica muito evidente no sistema nervoso autônomo e na circulação cardiovascular.

De coração aberto

Em um de nossos experimentos, submetemos os participantes a uma situação de pressão, comunicando-lhes que teriam exatamente um minuto para preparar um discurso, que seria registrado em vídeo e avaliado pelos demais participantes. O prazo curtíssimo para o cumprimento da tarefa gerou angústia e elevou a freqüência cardíaca e a pressão arterial. Logo em seguida, mostramos a cada um deles um de quatro filmes: dois deles estimulavam sentimentos positivos – diversão e contentamento –, ao passo que o terceiro pouco os afetava e o quarto causava tristeza. Enquanto assistiam ao filme, acompanhamos os indicadores de stress.

Nos indivíduos que assistiram a um dos filmes alegres, o nível de stress retornou ao inicial com mais rapidez que nas pessoas que viram o filme neutro. E os que só podiam se entristecer com o quarto filme foram os que precisaram de mais tempo para se recuperar do susto. Fica evidente que os sentimentos positivos exerceram influência benéfica no sistema cardiovascular. Contudo, são ainda em grande parte desconhecidos os mecanismos cognitivos e fisiológicos por trás desses processos. Tampouco nossa pergunta inicial encontra-se respondida: de que forma os sentimentos positivos promovem a longevidade? Está claro que fazem mais que produzir mero bem-estar momentâneo. Sua atuação moderadora em situações estressantes sugere que eles poderiam, a longo prazo, reduzir o dano causado ao sistema cardiovascular pelos sentimentos negativos. A isso vem se somar, no entanto, outro fenômeno: quem está contente hoje já está a caminho de ser igualmente mais feliz no futuro.

Junto com o psicólogo Thomas Joiner, da Universidade do Estado da Flórida, examinamos se o ânimo positivo e o pensamento mais abrangente estimulam ou mesmo fortalecem um ao outro. Com o auxílio de testes-padrão feito com intervalo de cinco semanas, comparamos o estado de ânimo e a postura mental de 138 estudantes universitários. O resultado foi que a disposição positiva na primeira etapa redundou, na segunda, num incremento desse mesmo estado de ânimo e em maior abrangência de pensamento. Do mesmo modo, mas em sentido inverso, o pensamento mais abrangente na primeira etapa incrementou tanto o ânimo positivo como a abrangência de pensamento na segunda. Ou seja, pessoas em geral bem-humoradas evidentemente se deixam levar com mais facilidade numa contínua espiral ascendente.

Sentimentos positivos não modificam apenas o indivíduo: atuam de forma contagiosa. Boas ações geram contentamento, porque podemos nos orgulhar delas, embora muitas vezes praticá-las seja uma forma de fugir das próprias dores e fazer ao outro o que gostaríamos que fizessem para nós. O fato é que os que receberam ajuda sentem-se agradecidos, e mesmo “espectadores” casuais se alegraram. Numa reação em cadeia, os sentimentos positivos conduzem a uma postura mental abrangente e à solicitude, o que, por sua vez, desencadeia mais emoções positivas.

Isso mostra que necessitamos de métodos que nos permitam experimentar sentimentos positivos com mais freqüência. Decerto, o humor e o riso parecem oferecer o caminho mais curto; em tempos difíceis, todavia, é mais fácil falar do que fazer. Meu conselho é que procuremos a felicidade em todas as situações da vida. Quem deseja descobrir algo de bom num mundo complexo e, em parte, opressivo, precisa apelar para as próprias forças e para as de seus semelhantes. Afinal, o mais poderoso aliado no caminho para a maturidade e a força interior é nossa consciência.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/dossie/dossie_de_bem_com_a_vida_-_alegria_como_remedio.html

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