segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Dossiê: Tramas de amor e desejo - Emoções e sexualidade.

Como mostrado em outras postagens aqui e aqui, a revista Mente e Cérebro vem fazendo um compêndio de reportagens sob a denominação de dossiês, que retratam de forma muito instrutiva acerca das mudanças neuropsicológicas do cérebro quando se está apaixonado.
Agora, temos aqui a terceira reportagem sobre os caminhos cerebrais que levam ao estado de paixão, desejo e amor.


As emoções ligadas ao sexo são uma interessante fonte para testar a possibilidade de conciliar o nível fisiológico com o fenomenológico.

As emoções estão hoje no centro de debates e teorias de neurocientistas, psicólogos e filósofos. O tema foi vivificado pelos experimentos de Joseph LeDoux, que descreveu quais relações existem entre emoções fortes e estruturas do sistema límbico, particularmente a amígdala. As observações de LeDoux referem-se sobretudo ao medo, uma emoção primária que tem forte significado de adaptação, na medida em que permite a sobrevivência em ambientes de risco. Sem a amígdala, afirma LeDoux, não perceberíamos uma série de sinais de perigo: nos animais e nos humanos esses sinais são interpretados primeiramente pelo sistema límbico, que organiza reações, e em seguida pelo córtex, que pode potencializar ou reprimir essas reações.



Mas o que sabemos sobre o medo nos autoriza a generalizar? As raízes fisiológicas são igualmente importantes para as outras emoções? Filósofos e psicólogos que pertencem à corrente fenomenológica acreditam que a fisiologia das emoções teria pouco a ver com aqueles sentimentos individuais e complexos que não é possível descrever em termos de estruturas e mediadores nervosos. Eles citam emoções como o apaixonar-se e o prazer ligado ao sexo, que têm uma forte diversificação individual. As emoções ligadas à sexualidade representam, por isso, um bom tema para compreender se é possível conciliar a dimensão fisiológica com a fenomenológica. Por exemplo, no cérebro de um adolescente totalmente absorto em sua primeira paixão verifica-se algo que o iguala a outros adolescentes ou a outros seres humanos? E naquelas emoções podemos reconhecer alguns aspectos “universais”, como a dependência, o desejo de novidade, o prazer, o ciúme?

Freud e muitos psicólogos consideram a sexualidade uma necessidade primária que contribui para satisfazer as exigências do organismo, uma mola que dá direção ao comportamento. Algo similar a comer, beber ou dormir. Essas necessidades – pulsões encobertas por superestruturas culturais – estariam inscritas em nosso cérebro e encontrariam uma gratificação no prazer e na satisfação e gerariam descontentamento quando não satisfeitas.

Em seu aspecto mais reducionista, as necessidades implicam um programa biológico que se traduz em escolhas quase automáticas: um mecanismo inteligente do ponto de vista instintivo que se manifesta desde a fase neonatal. Os fisiologistas descreveram no âmbito dos núcleos profundos do encéfalo, e particularmente do hipotálamo, aqueles mecanismos que percebem os estados internos do organismo e que colocam em prática programas úteis para satisfazer necessidades ou carências. Por exemplo, quando os níveis de açúcar do organismo caem, ativam-se receptores que provocam a sensação de fome e nos impelem rumo a comportamentos de busca de comida. Reações semelhantes se manifestam também no caso da ativação sexual que em sua forma mais mecanicista depende dos níveis dos hormônios e de estímulos apropriados.

Mas, para que as pulsões se realizem, para que sejamos impelidos rumo a comida ou sexo, é preciso existir o prazer, um “reforço” que manifeste a satisfação de nossas necessidades. Esse tema foi desvendado pelas pesquisas de James Olds, que demonstraram a existência dos chamados “centros do prazer”. Em última análise, o prazer é uma descarga de mediadores nervosos em algumas estruturas do cérebro.

Estritamente vinculada à pulsão sexual é a busca de novidades capazes de “estimular” nosso cérebro. Segundo Donald E. Berlyne, existe uma verdadeira pulsão que nos impele a procurar estímulos novos e excitantes, sem os quais nossos impulsos correm o risco de encalhar na monotonia. Mas, quando do sexo passamos para o enamoramento, eis que emerge um componente que de algum modo se contrapõe à busca de novidades: o apego. John Bowlby, o psicólogo que descreveu o apego em termos evolutivos, apontou como desde pequenos somos envolvidos emotivamente com uma figura de referência e como a separação dessa figura implica emoções dolorosas. Mesmo quando nos apaixonamos, o apego tem um papel fundamental e se um dos parceiros se sente abandonado vive uma espécie de “luto” ligado ao fato de ter sido privado de uma forma de segurança que representa o pólo oposto da busca de novos estímulos.




Segundo o psiquiatra Michael Liebowitz, o apego (comum a muitas espécies animais) entraria, nas relações amorosas, numa segunda etapa. Numa primeira fase, aquela da atração e do entusiasmo da paixão, os parceiros vivem um estado de euforia que os isola do mundo. Após um tempo variável, surge um estado emotivo mais tranqüilo, durante o qual o cérebro segrega as endorfinas, substâncias naturais similares à morfina que acalmam a mente e causam as sensações de segurança e de paz que estão na raiz do apego. Assim, num relacionamento, as turbulências iniciais são substituídas por um sentimento caloroso e seguro.

Paixão e apego são emoções que ligam as pessoas e são funcionais para relacionamentos duradouros. No entanto, também existe um impulso oposto que pode nos impelir a buscar outro parceiro. Alguns estudiosos, como o etologista Norbert Bischof, consideram esse comportamento de exploração como uma reação ao “excesso de segurança”, uma sensação à qual se reage afastando-se do objeto de apego, nada mais, nada menos do que os adolescentes fazem quando sentem a exigência de se desvencilharem dos afetos infantis.

Alguns neurofisiologistas não hesitam em falar de “resposta de saciedade”: uma espécie de dessensibilização do cérebro em relação a um estado que durou demais. Todavia, a experiência não pára de demonstrar o quanto são variáveis os indivíduos e as condições existenciais: existem os “garanhões”, em constante busca de novas aventuras, mas também pessoas cujo apego perdura longa mente; existem as diferenças de temperamento que dividem; as afinidades eletivas que unem; os casos da vida. As culturas, enfim, têm o poder de amplificar um ou outro aspecto do amor, acrescentando complexidade a nossos comportamentos, escolhas e emoções.



A complexidade nesse campo é notável. Vejamos o apego, por exemplo. Se ter apego representa uma vantagem evolutiva, na medida em que consolida o vínculo do casal e facilita os comportamentos parentais, um excesso de apego leva à obsessão e ao ciúme. Este pode aparecer a qualquer momento da relação: na fase da atração, na do apego, mas também depois de uma separação “definitiva”. É na força do apego que afundam as raízes, as ambivalências e as lutas daqueles que, ao se separarem, têm de resolver o conflito criado entre o desejo de novidade e a força da dependência.

Romper um relacionamento não é fácil: a racionalidade tem de entrar em acordo com a emotividade, o dito com o não-dito; muitas vezes também é preciso sair em busca de uma nova identidade para substituir aquela que, com a falta da ligação, se desagrega. Como o apego, o processo do “desapego” também tem seus prazos: é preciso se desacostumar, como acontece com a droga, diria o psicobiólogo... – Tradução de Roberta Barni

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/dossie/dossie_tramas_de_amor_e_desejo_-_emocoes_e_sexualidade.html

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