segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Mais parecidos do que gostaríamos.

Comportamento de pessoas e animais é afetado pelas vitórias e derrotas do passado.



A forma como encaramos vitórias e derrotas moldam a sociedade, de forma muito parecida com o que ocorre entre os bichos. Na opinião de alguns pesquisadores, inclusive, seria importante aprendermos como nós mesmos nos comportamos. Afinal, ninguém duvida que por baixo do fino verniz da civilização, a vida do Homo sapiens é um vale-tudo, similar a uma selva. Assim como eles, estamos em competição permanente por sexo, alimento e proteção do território. Há, inevitavelmente, vencedores e perdedores. E, embora não possamos dizer que os bichos entram nas disputas em busca de prazer, certamente há satisfação em obter o objeto pelo qual se empenhou, muitas vezes, a própria vida.

Assim como acontece com as pessoas, o resultado de uma disputa também é influenciado por fatores psicológicos sutis em alguns animais. As experiências passadas são importantes e o comportamento dos membros de determinada espécie é afetado de modo característico pelas vitórias e derrotas do passado, ou pelo simples fato de terem assistido a uma luta. Mais que isso: esses fatores psicológicos parecem ter drástico efeito em sociedades animais e nos seus níveis de agressão. Já é possível prever, por exemplo, se a interação dos membros do grupo será autocrática ou meritocrática e se haverá pacificadores para separar as brigas antes que saiam de controle. Essas mesmas regras podem explicar a dinâmica das sociedades humanas. O pesquisador Gordon Schuett, da Universidade do Arizona, por exemplo, analisa os efeitos de vitória, de derrota e de espectador. Ele estuda a mortífera víbora Agkistrodon contortrix. A maior parte das agressões dessas serpentes ocorre entre machos que disputam a fêmea. Para descobrir se o fato de ganhar ou perder afeta o desempenho do animal em lutas posteriores, Schuett colocou uma fêmea no centro de uma arena e posicionou um macho em cada extremidade. Os machos estavam “virgens” em termos dos efeitos de vitória ou derrota, sem ter se envolvido em disputas entre seis e 12 meses antes do estudo.



Agkistrodon contortrix


No início, o tamanho falou mais alto: em cada uma das 32 lutas, o macho maior saiu vencedor e ganhou a fêmea. Mas Schuett estava mais interessado no que aconteceria depois. Terminadas as batalhas iniciais, ele pegou dez vencedores e dez perdedores e os colocou diante de um novo macho do mesmo tamanho, mas sem experiência anterior. Observou então que os vencedores da primeira rodada não eram mais propensos a vencer se comparados a seus adversários – em outras palavras, não havia um efeito de vitória. Mas os machos que haviam sido derrotados tinham grande tendência a perder de novo. E, quando aqueles que tinham perdido duas vezes tiveram uma última chance, os resultados foram ainda mais desanimadores – nenhum deles venceu. Schuett havia descoberto um caso evidente da ação do efeito de derrota.

Muitos animais, incluindo peixe-espada, grilo e rato, apresentam os efeitos de vitória e derrota. Vários outros, como a cobra do estudo e o peixe-paraíso só são afetados pela derrota. Ainda não encontramos espécies em que somente o efeito de vitória esteja presente, mas isso só o tempo dirá. O pesquisador Lee Alan Dugatkin, professor associado da Universidade de Louisville, em Kentucky, autor de vários livros sobre comportamento animal e um grupo de colegas usaram simulações no computador para observar como os efeitos de vitória e de derrota influenciam a formação e a estabilidade de hierarquias sociais. “Em nossa arena digital, começamos com quatro participantes. Cada um tem uma força determinada e dispõe de duas informações sobre si mesmo: capacidade de combate aparente (baseada em seus atributos físicos como tamanho e velocidade) e sua habilidade real de combate, na qual interfere também o fator psicológico ligado ao histórico de vitórias e derrotas, o chamado fator de influência na auto-confiança”, conta Dugatkin. E cada participante conhece a força aparente de luta de seu adversário – mas não a força real.

Quando dois adversários se encaram, há algumas possibilidades. “Se ambos decidem não lutar, cada um vai para um canto, o que costuma acontecer quando os dois têm estimativas baixas de sua própria capacidade de luta, um tipo de postura muitas vezes observado entre animais selvagens (ou em seres humanos). Se um participante decide atacar (porque acredita ser superior ao oponente), mas o outro não age da mesma forma, observa-se uma seqüência de 'ataque-recuo.” Ou seja: segundo o pesquisador, a luta só pode ocorre se ambos acreditarem que têm chance de ganhar, apostando na inferioridade do adversário. “Neste caso, o vencedor é aquele com maior força de combate”, explica Dugatkin. Os efeitos de vitória e de derrota produzem hierarquias muito diferentes nos grupos de animais. Quando o primeiro está ativo, aparece uma organização linear, com uma clara ordem de importância. A domina B, que domina C, que domina D, por exemplo. É o tipo de hierarquia encontrado entre pombos, em várias espécies de insetos e nos canídeos que vivem em grupo, como lobos e hienas. Esses animais estão cientes de sua própria posição no ranking e da de cada indivíduo do grupo.



Se o efeito de derrota predomina, surge uma hierarquia muito mais autocrática, como as observadas entre gorilas e muitas espécies de peixes e insetos. Nesses grupos sociais, o animal mais importante, ou “alfa”, é evidente, mas o lugar dos outros membros é difícil de decifrar, já que há pouca interação. Esse tipo de hierarquia também aparece quando o efeito de vitória e o de derrota estão atuantes. Ainda mais intrigante é a descoberta de que há grandes diferenças entre os tipos de interação social nessas duas categorias de sociedade. Disputas são tudo que interessa quando só o efeito de vitória predomina. O ataque-recuo, por outro lado, tem mais chance de acontecer quando o efeito de derrota está em ação ou quando os dois efeitos agem simultaneamente. Assim, muitos têm estimativas baixas de sua capacidade de luta, por isso são propensos a evitar interações agressivas.

Dugatkin ampliou sua pesquisa para incluir o efeito de observação e notou que os animais alteram sua avaliação sobre a habilidade de luta dos outros depois de observá-los em ação. Se A eleva sua estimativa da habilidade de B quando B vence, isso se chama efeito de observação de vitória. Se A reduz sua avaliação de B quando B perde, trata-se de um efeito de observação de derrota. Quando acabam de perder uma disputa, algumas aves são muitas vezes atacadas pelos espectadores, o que raramente acontece com as que acabaram de ganhar.

Um estudo recente do pesquisador Rui Oliveira, da Universidade de Lisboa, lançou luz sobre a questão de como o fato de ter vencido, perdido ou observado uma luta afeta o desempenho posterior de um animal. A equipe coordenada por Oliveira descobriu que, quando um peixe ciclídeo adulto assiste a uma briga, seus níveis de androgênio se elevam. Os cientistas acreditam que isso possa instigar os observadores a atacar os perdedores – e aumentar suas chances de derrotá-los. Em outras palavras, esses peixes experimentam uma elevação em seus hormônios sexuais bem parecida com a descarga de testosterona que muitos humanos costumavam sentir ao assistir a uma partida de futebol.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/mais_parecidos_do_que_gostariamos.html

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