segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

J. D. Nasio - O tradutor da psicanálise.

Aos 67 anos, o psiquiatra e psicanalista argentino, radicado na França desde 1969, tem 18 livros publicados e traduzidos em 13 idiomas; seu novo trabalho é sobre imagem corporal.



Esquemas teóricos, escritos e desenhados com tintas coloridas em grandes papéis, se espalham pelo chão do consultório e pelo divã. Esta é a etapa que se segue a vastas investigações sobre o assunto que Juan-David Nasio abordará em sua próxima aula. Ele lê, desenha e caminha sobre seus papéis enquanto pensa e elabora impressões acerca do tema. Em seguida, põe-se a escrever sua aula à mão, para que posteriormente o texto seja digitado pela secretária. Seguem-se inúmeras revisões, até que o psicanalista tenha certeza do que dirá a seus ouvintes, sejam eles especialistas ou estudantes de graduação. A preocupação intransigente em comunicar a experiência e a teoria psicanalítica de maneira acessível e nítida só se compara à paixão que ele tem por esta transmissão. Para ele, a clareza das palavras, sustentada pela escuta analítica e pelo rigor conceitual desperta no ouvinte, ou no leitor, o desejo de aproximar-se do enigma do inconsciente, como se pode constatar tanto na leitura de seus textos quanto na escuta de seus seminários e palestras. O professor chega, em alguns casos, a “dramatizar” alguns conceitos, usando filmes e gestos para torná-los inteligíveis.

CONFRONTO COM A LOUCURA

Embora alguns critiquem a forma como ele expõe a teoria, receando que a torne “rasa”, Nasio é hoje, aos 67 anos, um dos expoentes vivos da psicanálise. Aos 16, militante esquerdista, ingressou na graduação. Interessado em medicina social, identificou na psiquiatria a possibilidade de atuar nessa área. Essa especialização foi o primeiro passo em direção a sua formação como psicanalista clínico, pois lhe possibilitou o confronto com a loucura e o contato com pacientes psicóticos, o que lhe proporciona enorme aprendizado. Não por acaso ele defende que aqueles que se interessam pelo trabalho com pessoas que sofrem de transtornos mentais têm de conviver com pacientes psiquiátricos para aprender a escutar, se deixar afetar pela certeza delirante e buscar palavras que estabeleçam a comunicação com eles.

Clínico de crianças, jovens e adultos, pesquisador, autor de inúmeros artigos e de 18 livros publicados e traduzidos em 13 idiomas, foi professor de psicopatologia da Sorbonne, Paris, por 30 anos. Atualmente dirige os Seminários Psicanalíticos de Paris, instituição que fundou em 1986, destinada à transmissão da psicanálise e à formação de psicanalistas.

Após breve contato com a terapia sistêmica, iniciou sua análise pessoal com o kleiniano Emiliano Del Campo. Em 1966, conheceu a obra do filósofo marxista Louis Althusser, francês de origem argelina, e encontrou ali referências a um psicanalista gaulês. Curioso, perguntou-se quem era Jacques Lacan e, sem saber ler francês na época, passou a reunir-se regularmente com amigos que traduziam seus textos. Foi assim que se tornou um dos primeiros a se dedicar aos seus estudos na Argentina, ao mesmo tempo que se aprofundou na obra freudiana. Decidido a aprender com Lacan, ao término da residência em psiquiatria conseguiu uma bolsa de estudos do governo francês.


Jacques Lacan

Estudioso e entusiasta, J. – D. Nasio deixou-se influenciar de tal modo pelos estudos lacanianos que encontrou no próprio Lacan (com quem fez supervisões clínicas durante seis anos) um admirador de seu trabalho. Tal proximidade levou o mestre a pedir-lhe, em 1978, que fizesse a revisão da tradução de seus Escritos para o espanhol, versão que apresentava dois equívocos e que afetavam o seu rigor, na opinião autor. Primeiro, o título dado pela editora do livro – Leitura estruturalista de Freud, em vez de Escritos – fugia completamente à aceitação de Lacan, pois comprometia e reduzia os propósitos de seu trabalho. Segundo, embora tivesse sido traduzido por um grande conhecedor das línguas francesa e espanhola, o texto pecava por um “poetismo” que dirimia a exatidão dos conceitos. O trabalho de tradução de Nasio foi acompanhado de perto por Lacan.

No ano seguinte, Lacan o convidou para falar em seu lugar no seminário que oferecia anualmente. Situações como esta em que Nasio foi reconhecido por seu trabalho rigoroso e dedicação à psicanálise já haviam se dado em sua chegada a Paris, quando participou de um seminário de Serge Leclaire, que posteriormente lhe pediu um artigo para integrar seu livro; ou quando o prêmio Nobel de matemática René Thom solicitou-lhe um curso sobre topologia lacaniana para um grupo de cientistas de Bures-sur-Yvette. Estes fatos fizeram da França não um lugar temporário de estudos, mas sua morada permanente. O reconhecimento de seus esforços suplantou também seu campo de atuação, levando-o em 1999 a receber do governo francês a mais alta homenagem por ele conferida, Chevalier de La Légion d'Honneur, e em seu país natal, a condecoração da cidade de Rosário.

A francesa Françoise Dolto, pediatra de formação, foi outra psicanalista importante em sua trajetória e formação. Os dois se tornaram amigos logo que Nasio chegou a Paris, mas só nos anos 80 ele se interessou por suas posições teóricas, após conhecer mais de perto o trabalho clínico que desenvolvia com crianças órfãs, institucionalizadas. A convite de Dolto, ele passou a integrar um grupo de analistas que a acompanhavam nos atendimentos. Nesta oportunidade, retomou o trabalho com crianças, abandonado desde que deixara de atender no Hospital Lanús, na Argentina, ao término da especialização em psiquiatria. Ele entrava na sala de atendimento junto com o paciente e com Dolto, que efetivamente fazia as análises, e ali observava, escutava e, quando solicitado por ela, participava das atividades com os pacientes e intervinha. Ele denominou esta experiência “análise de crianças a céu aberto”, uma vez que o setting de atendimento era diferente daquele do consultório – mas todos os princípios fundamentais da psicanálise estavam preservados, garantindo a eficácia do trabalho. A parceria entre Nasio e Dolto rendeu o livro A criança do espelho (Zahar) publicado em 1987.


René Thom, Prêmio Nobel de Matemática, pediu a Nasio um curso sobre topologia lacaniana para um grupo de cientistas


Para Nasio, a análise infantil é mais difícil do que a de pacientes adultos – embora muitas vezes seja mais rápida – pois a criança não diz em palavras o que sente. Em vez disso, anda pela sala, movimenta-se, desenha. Atender uma criança não é jogar ou brincar com ela (assim como atender um adulto não é conversar com ele), mas escutá-la naquilo que manifesta com seu corpo e, para que esta escuta seja efetiva e eficaz, o analista tem de se entregar à relação. Neste sentido, Nasio não acredita que a psicanálise seja a única técnica eficaz no tratamento dos sofrimentos psíquicos, porque esta eficiência não está dada simplesmente pelo método teórico e pela técnica, mas pela postura e comprometimento do profissional com a cura do paciente.

Entre tantas contribuições de Nasio ao campo freudiano, soma-se construção de novos conceitos psicanalíticos, fruto das pesquisas e elaborações teóricas decorrentes do seu trabalho como analista. São quatro suas produções: inconsciente único, formações do objeto a, forclusão local e lesão de órgão. Dentre estas, o inconsciente único se destaca, não por ser a mais importante, mas por ser talvez a mais cara para o próprio autor. Nasio afirma que o inconsciente não está presente o tempo todo de uma análise, mas revela-se em momentos específicos. No encontro entre dois sujeitos – analista e analisando, por exemplo – em determinado instante, um acontecimento único e de intensa emoção é engendrado por ambos, tocando-os e modificando-os. O psicanalista, que presumivelmente já passou por uma análise pessoal, tem o que Nasio chama de inconsciente instrumental, que prepara e oferece suporte ao surgimento do inconsciente único.


A criança do espelho, escrito por Nasio e Dolto, foi publicado no Brasil em 1987


Nasio é um otimista com relação à psicanálise. Não identifica, como muitos profissionais, uma crise institucional em andamento, ou uma configuração social que possa investir contra sua existência. Acredita na continuidade desse campo de saber, pois, ao contribuir para formar novos analistas, constata não só o número de pessoas que se interessam por essa prática, mas também o entusiasmo e a entrega com que o fazem. Em sua opinião, o que as profundas transformações culturais e sociais têm trazido de novo à psicanálise são mudanças na queixa, naquilo que motiva a busca de uma cura analítica, e não uma ameaça à própria prática e teoria psicanalítica. Atualmente, Nasio trabalha em novas pesquisas, procurando compreender o que chama de “esquemas de culpabilidade” e as relações entre psiquismo e corpo.

CRONOLOGIA

1942 – Nasce em Rosário, na Argentina.

1964 – Forma-se médico, pela Universidade de Buenos Aires.

1969 – Conclui sua residência em psiquiatria no Hospital Lánus, em Buenos Aires, sob orientação do Dr. Maurício Goldenberg. Muda-se para a França, onde começa a trabalhar com Jacques Lacan.

1971 – Ingressa como professor da Universidade Paris VII - Sorbonne, onde leciona psicopatologia por 30 anos.

1978 – Funda seu próprio Seminário na École Freudienne de Paris e faz a revisão da tradução dos Escritos de Jacques Lacan, para o espanhol.

1986 – Funda os Seminários Psicanalíticos de Paris, associação que visa transmitir a psicanálise e formar analistas.

1999 – Recebe a mais alta homenagem do governo francês, Chevalier de la Légion d'Honneur (Legião de Honra) e também a condecoração da cidade de Rosário, na Argentina, Cidadão de Honra.


Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/jdnasio_o_tradutor_da_psicanalise.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário