segunda-feira, 28 de maio de 2012

As lembranças de cada um.

A capacidade de armazenar recordações e “filtrá-las” é uma característica específica de cada indivíduo – uma espécie de “impressão digital”. Não por acaso, a memória de trabalho (ou de curto prazo, que nos permite guardar temporariamente um número limitado de informações, como números de telefones que usamos com certa freqüência, por exemplo) varia consideravelmente de uma pessoa para outra.



De acordo com o estudo sobre esse tipo de memória desenvolvido pelos pesquisadores americanos Fiona McNab e Torkel Klingberg, o processo de seleção das lembranças que devem ser guardadas ou dispensadas pode ser comparado aos dos filtros de spam do computador. O funcionamento dessas “peneiras mentais” situadas nos gânglios basais pode comprometer ou facilitar a lembrança de números, nomes de pessoas, compromissos etc. Filtros ineficientes causam, por exemplo, atividades desnecessárias e excessivas nas regiões cerebrais que “arquivam” as informações da memória de trabalho – as áreas parietais posteriores, situadas ao longo do topo do cérebro em direção ao dorso.

Poderíamos dizer que essas regiões desempenham o papel do disco rígido do computador, mas quando se trata de memória de trabalho, é mais adequado afirmar que sua função não é tanto guardar dados permanentemente, mas sim armazena-los temporariamente da memória à qual temos acesso de forma aleatória. É aceitável fazer um paralelo com a memória RAM (random access memory), já que as informações são mantidas enquanto estão em uso ou poderão ser usadas em breve.

Embora não existam evidências válidas sobre a importância da eficiência de filtragem de itens irrelevantes da memória de trabalho é necessário ter cuidado para não negligenciar a possibilidade de que as diferenças na capacidade de RAM também afetam a memória de trabalho. Se o tamanho da RAM realmente for importante, então a correlação entre seu tamanho e a eficiência de filtragem pode ser imperfeita. Por analogia, as velocidades máximas de sprint e as resistências dos indivíduos podem estar imperfeitamente correlacionadas, mesmo que as duas qualidades dependam de certos fatores comuns, como o estado geral de saúde.

De fato, existem evidências de que a capacidade de armazenamento da memória de trabalho é mais importante do que se supunha há alguns anos. Em 2005, os pesquisadores J. Jay Todd e René Marois, da Universidade Vanderbilt, mostraram que a atividade cerebral nas áreas parietais posteriores – RAM da memória de trabalho – tinha relação com o desempenho mnêmico.

Em uma pesquisa de 2006 realizada com adultos de um grupo de controle e pacientes esquizofrênicos, o pesquisador J. M. Gold e colegas testaram a memória para os itens sobre os quais os indivíduos recebiam a informação que poderiam ignorar. Em comparação com os indivíduos de controle, os pacientes esquizofrênicos lembraram de menos itens de toda a série – ou seja, não se recordavam dos itens que deveriam acessar, nem daqueles que poderiam ignorar. Contudo, tanto os sujeitos do grupo de controle quanto os esquizofrênicos se lembraram muito melhor de itens aos quais “prestaram atenção” do que daqueles que tiveram permissão de ignorar. Em outras palavras: a eficiência da filtragem era aproximadamente igual nos dois grupos.

Enquanto isso, um estudo de 2006, em meu próprio laboratório, constatou que a capacidade de armazenamento e a eficiência de filtragem da memória de trabalho estavam parcialmente relacionadas e eram parcialmente distintas – algo como a relação entre sprint e resistência acima sugerida. Nem todo participante com habilidade relativamente alta conseguiu filtrar itens irrelevantes com grande eficiência.

O panorama dos resultados demonstra que tanto a capacidade de armazenamento quanto a eficiência de filtragem afetam a habilidade da memória de trabalho de um indivíduo. Novos métodos de análise do cérebro não substituem necessariamente os mais antigos – assim como os automóveis não eliminaram a praticidade das bicicletas e essas, por sua vez, não substituíram as caminhadas. Há espaço para dirigir carros, pedalar e andar. De forma similar, diagnósticos por imagem são compatíveis com os métodos comportamentais e de raciocínio filosófico voltados para a investigação da mente. Em 1971, no ensaio “Art in Bits and Chunks”, o psicólogo Rudolf Arnheim, especialista em estudos sobre percepção, sugeriu que a ferramenta mais importante de um psicólogo é a poltrona. A sentença ainda soa verdadeira para a pesquisa cerebral.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/as_lembrancas_de_cada_um.html

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