quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Dossiê: Tramas de amor e desejo - As fontes do prazer.

A Revista Mente e Cérebro trouxe uma matéria muito interessantes acerca dos caminhos que nosso cérebro toma quando se apaixona, principalmente enfocando o ponto de vista psicanalítico que delimita o que entendemos como amor, como prazer ou esses dois sentimentos misturados.
A matéria, bem loga, mas muito bem escrita e envolvente, faz com que o leitor entenda melhor o funcionamento cerebral. Segue abaixo na íntegra.


Pesquisas recentes lançam nova luz sobre os mecanismos do prazer e do amor e mostram semelhanças entre desejo sexual e vontade de comer chocolate. Romeu e Julieta só estariam viciados um no outro?



Inesgotável fonte de inspiração para a arte e a literatura, o amor é um sentimento capaz de nos levar ao desespero ou ao êxtase. E talvez até à guerra, a se dar crédito à história do rapto de Helena e à campanha contra Tróia. Examinados do ponto de vista biológico, porém, muitos dos véus românticos que recobrem o fenômeno do amor desprendem-se facilmente. No entanto, um permanece: o do desejo sexual. Quando buscam sua origem, os cientistas logo esbarram numa série de enigmas. Por que desejamos uma pessoa específica? A que se deve o fato de sentirmos desejo ou prazer sexual? E ainda: será que o tête-à-tête com o parceiro ou parceira pode ser substituído por uma sinfonia de Brahms ou por uma caixa de bombons?

Em primeiro lugar, há que se dizer que o prazer não é pura e simplesmente prazer, e ponto final. Existe uma diferença fundamental entre o prazer por alguma coisa e o prazer em alguma coisa – ou seja, entre as sensações que temos quando almejamos algo e o que sentimos ao obtê-lo. Especialistas diferenciam aqui o prazer ou desejo apetitivo (por algo) do consumado (em algo). Além disso, desejo, prazer e amor não constituem um fim em si mesmos, mas têm por alvo metas biológicas palpáveis e concretas.

Ao contrário do que se pensa, o prazer sexual não se desenvolveu visando a satisfação pessoal, mas para encorajar a reprodução. Tampouco as sensações profundas comumente etiquetadas como “amor” podem negar seu pano de fundo biológico: elas auxiliam no estabelecimento e na manutenção de um vínculo entre parceiros. Esses mecanismos são comandados por estruturas cerebrais particulares e por neurotransmissores. Prazer e amor são, portanto, essencialmente produzidos no cérebro e determinam nosso comportamento em função de um objetivo estabelecido.

Quando se trata de considerar quem nos desperta a libido, uma pergunta fundamental se impõe: o objeto desse desejo pertence ao sexo oposto? A orientação sexual depende em primeiro lugar do nosso próprio sexo. E isso não se define apenas pelas características físicas do corpo, mas também no cérebro. Fundamental importância têm aí os hormônios, e sobretudo os sexuais. Muito antes da puberdade, eles encaminham o desenvolvimento não apenas de nossos órgãos sexuais, mas também de partes do cérebro rumo ao masculino ou feminino.



Antes mesmo do nascimento, eles começam a atuar. Num feto geneticamente masculino, pequenas quantidades do hormônio sexual testosterona chegam ao cérebro no último terço da gravidez, influenciando seu desenvolvimento. Receptores sensíveis a esses hormônios sexuais encontram-se em numerosas regiões cerebrais. Pela determinação do sexo respondem sobretudo receptores hormonais situados no hipotálamo. Quando a testosterona exerce sua influência durante a fase pré-natal crítica, o cérebro será masculino. Na ausência desse hormônio, feminino. Curiosamente, não é a testosterona em si que surte seu efeito nesse processo: antes, ela é transformada em estrogênio, em geral conhecido pelos leigos como o hormônio sexual feminino. Fetos geneticamente femininos se protegem dessa ação específica do estrogênio auxiliados pela alfa-fetoproteína. Durante o desenvolvimento do cérebro, a testosterona interfere num processo natural mediante o qual células nervosas supérfluas são descartadas. Graças a essa interferência, morrem menos neurônios, razão pela qual a região frontal do hipotálamo dos mamíferos de sexo masculino é bem maior e mais rica em neurônios. Nos humanos, porém, essa diferença é menor do que, por exemplo, nas ratazanas.

O hipotálamo é de especial importância na orientação e no comportamento sexual. Isso se evidencia no fato de as células nervosas do hipotálamo anterior exibirem intensa atividade quando um animal macho se aproxima de um parceiro sexual ou quando copula. Se essa região estiver lesada, o comportamento sexual dos machos no tocante à cópula será prejudicado, ainda que mantenham o interesse em fêmeas.

STRESS E TESTOSTERONA

Certas experiências durante a gravidez também podem influenciar a orientação sexual dos descendentes. Dentre elas, sobretudo o stress parece desempenhar papel importante. Se uma ratazana em gestação for exposta a stress, o cérebro de seus rebentos machos terá em média menos características masculinas. Além disso, eles apresentarão com freqüência orientação homossexual e exibirão comportamento mais maternal. O motivo é que, por causa do stress, a necessária testosterona se apresentou cedo demais no cérebro. Os descendentes “feminilizados” nem sempre são homossexuais: se criados com fêmeas sexualmente ativas, em geral desenvolvem orientação heterossexual. Isso mostra de forma clara que o comportamento sexual não pode ser explicado apenas pelos hormônios. Ao contrário: fatores hereditários, influências hormonais e experiências individuais atuam aí em estreita vinculação.

Como pode, porém, o stress atuar sobre cérebros masculinos, preferência sexual e conservação da espécie? Para a sociobiologia, sob condições de vida difíceis, a feminilização dos cérebros reduziria a taxa de natalidade em uma comunidade, o que possibilitaria oferecer cuidado maior aos raros descendentes.
Essa explicação bem poderia se aplicar aos seres humanos, que têm comportamento sexual em parte desvinculado da meta da reprodução e voltado à obtenção do prazer. Pesquisas realizadas até agora com humanos confirmam as descobertas oriundas dos modelos animais. Também no nosso caso o hipotálamo anterior desempenha papel decisivo no tocante à preferência sexual. Os homossexuais do sexo masculino possuem menos neurônios nessa região do cérebro que os heterossexuais, exibindo, sob esse aspecto, uma estrutura cerebral mais aparentada à feminina. Além disso, também nos seres humanos o stress pré-natal parece conduzir com mais freqüência à orientação homossexual em descendentes do sexo masculino. Até o momento, no entanto, os conhecimentos adquiridos em relação ao ser humano são escassos e, em boa parte, indiretos. Não admira que suscitem controvérsia – ou mes mo completa rejeição, baseada no argumento de que, nesse âmbito, os resultados advindos de experiências com animais não seriam transferíveis à esfera humana.

Entretanto, admite-se cada vez mais que existem bases biológicas na preferência por um parceiro de mesmo sexo ou do sexo oposto. Está claro que a formação individual do cérebro desempenha papel tão importante quanto a educação ou sociedade, e a definição do caminho a trilhar parece ocorrer nos primeiros estágios do desenvolvimento.

Sexo e desejo decerto não são tudo na vida. Para a maioria dos seres humanos, a qualidade do relacionamento com o parceiro possui, no mínimo, importância equivalente. De resto, a atração sexual e o vínculo com o parceiro atendem ao mesmo propósito biológico: assegurar a reprodução da espécie. Um rápido exame de nossos parentes mais próximos nos mostra a multiplicidade de relacionamentos possíveis. Os orangotangos, por exemplo, só se unem para a fecundação e vivem o resto do tempo como eremitas; os gibões são monogâmicos enquanto os gorilas formam haréns e os chimpanzés vivem trocando de parceiro. Entre humanos, encontramos todas essas variações, embora a tendência à monogamia seja predominante. A variedade dos tipos de relacionamento aponta para o fato de que o vínculo com o parceiro está sujeito a fortes influências culturais e sociais.

Bases biológicas da monogamia foram encontradas em pequenos roedores americanos que vivem nas pradarias dos Estados Unidos. Estritamente monogâmicos, preocupam-se bastante com seus descendentes. Mas seus vizinhos que habitam as Montanhas Rochosas, ao contrário, trocam de parceiro com freqüência e logo abandonam a prole à própria sorte. A semelhança física e genética entre essas duas espécies é muito grande. Mas dois hormônios presentes no hipotálamo revelam diferenças notáveis entre elas: a vasopressina e a oxitocina. O roedor monogâmico exibe no cérebro um número bem maior de receptores para a vaso pressina e a oxitocina que seu parente promíscuo.
Em geral, a concentração sangüínea desses hormônios aumenta claramente durante a cópula, de acordo com o sexo do animal: nos machos, sobe o nível de vasopressina; nas fêmeas, o de oxitocina. Também nos humanos esses dois hormônios parecem importantes na estimulação sexual, na ereção e na capacidade de orgasmo. Nos homens, o nível de vasopressina no sangue aumenta durante a expectativa sexual, e o de oxitocina, durante o orgasmo. Na mulher, acreditam alguns pesquisadores, a vasopressina reduziria o desejo sexual, e a oxitocina desempenharia seu papel tanto durante a fase do flerte quanto na da cópula. Contudo, essas são apenas transposições de resultados experimentais obtidos com animais. As normas sociais, a educação, as expectativas podem prevalecer sobre a influência exercida por um hormônio específico.

Mas e quanto ao vínculo entre os parceiros? De fato, no caso dos roedores, os dois hormônios desempenham papéis importantes também nesse âmbito. O macho das pradarias, de cérebro rico em vasopressina, apresenta vínculo mais forte com sua parceira e se preocupa mais com a prole, ao passo que, nas fêmeas, é antes a oxitocina que estimula o cuidado com a cria. É de supor que o nível hormonal elevado durante o acasalamento ajude a fortalecer o vínculo entre parceiros. Também entre humanos a vasopressina e a oxitocina parecem ter, ao menos em parte, as mesmas funções. Considerando-se o amor como vínculo entre parceiros, teríamos dado aí um primeiro passo para a compreensão biológica desse fenômeno.

Como se articulam, então, o amor e as funções cerebrais? Existem centros de prazer ou neurotransmissores da felicidade? Nesse contexto, o ano de 1954 representa um marco para a pesquisa. Nesse ano, os neurocientistas americanos James Olds e Peter Milner implantaram no cérebro de ratos pequenos eletrodos que transmitiam estímulos elétricos. Os animais gostaram tanto que se detinham constantemente nos lugares em que os cientistas realizavam a estimulação.

Além disso, aprenderam por conta própria a pressionar uma alavanca que lhes proporcionava tais estímulos. O resultado foi que passaram a se estimular milhares de vezes por hora, negligenciando até mesmo suas necessidades naturais – um comportamento que lembra a forte dependência de drogas ou, em certo sentido, o de um ser humano muito apaixonado. A suposição óbvia a que isso conduziu foi que o estímulo elétrico ativava no cérebro um centro de recompensa ou mesmo de prazer.
Muitas regiões do cérebro são sensíveis à auto-estimulação elétrica, mas apenas em algumas poucas áreas o estímulo conduziu os animais ao excesso, o que se verificou sobretudo na lateral do hipotálamo. Não se encontrou aí o suposto centro do prazer: na verdade, a estimulação instigava também feixes de nervos que percorriam toda a região estimulada. Logo um sistema de células nervosas ocupou o centro das atenções – um sistema que se origina no mesencéfalo, percorre a lateral do hipotálamo e abastece com o neurotransmissor dopamina grande parte do prosencéfalo.

Com isso, aumentou o interesse nas funções desempenhadas pela dopamina, que os pesquisadores viam, em parte, como uma espécie de sinal de prazer. Basearam essa conclusão na observação de que sua atividade aumenta quando da prática de todo tipo de ação vinculada a sensações agradáveis – seja quando os animais se auto-estimulam com a eletricidade, quando ingerem comida saborosa, quando da copulação ou estão sob a influência de drogas, como a cocaína, a anfetamina, a heroína ou a nicotina.

Assim como aprendem a se autoestimular, os animais descobrem como administrar por conta própria essas substâncias, sobretudo quando são injetadas diretamente no sistema de células dopaminérgicas do cérebro. Se esse sistema é experimentalmente desativado, recompensas elétricas, químicas ou naturais deixam de surtir efeito – como se, então, inexistissem sensações de prazer em virtude das quais os animais seguem repetindo determinada tarefa. Não está claro, porém, se os ratos são de fato capazes de experimentar o prazer, na forma como nós o concebemos.

Ainda que sejam, isso significaria dizer que os pesquisadores encontraram um centro do prazer, bem como neurotransmissores do prazer? Não é bem assim. Na verdade, a estimulação elétrica do hipotálamo lateral conduz a uma continuada atividade das vias nervosas e simula, assim, antes o prazer – apetitivo – por alguma coisa do que o prazer – consumado – na obtenção do que se queria. Além disso, a dopamina faz com que, já durante as fases de expectativa e de preparação, o organismo oriente seu comportamento para as metas almejadas e possa aprender a utilizar novas informações que prenunciam a viabilidade de alcançá-las.

ORGASMO POR ELETRODOS?

A implantação de eletrodos no cérebro de humanos só é admitida quando da necessidade de intervenção médica, razão pela qual são poucas as pesquisas existentes nessa área. Pacientes que sofreram estimulação elétrica do hipotálamo lateral relatam “sensações difíceis de descrever, como se algo de interessante e excitante fosse acontecer”. Sensações agradáveis e positivas verificaram-se, por outro lado, na estimulação de outras regiões do cérebro, como, por exemplo, do septo lateral. As experiências vividas nesses casos foram descritas como um prazer semelhante ao orgasmo. Se um paciente podia se auto-estimular nessa região, ele o fazia em grande medida, sem, contudo, atingir o orgasmo de fato.



Nos últimos anos, com o auxílio dos métodos de diagnóstico por imagens, como a tomografia nuclear ou a tomografia por emissão de pósitrons, cientistas puderam verificar em seres humanos e expandir muitos dos conhecimentos adquiridos em experiências com animais. O estudo dessas imagens identificou uma série de regiões cerebrais que, diante de emoções diversas, revelam intensa atividade. Uma mesma estrutura cerebral pode, no entanto, ser estimulada tanto por sensações de prazer como por sentimentos indesejados, como, por exemplo, o do medo. A existência de centros específicos de prazer não pôde até o momento ser comprovada de modo inequívoco.

Experiências com pessoas conduzidas à excitação sexual mediante a contemplação de imagens ou cenas eróticas ou pornográficas revelam fortes mudanças de atividade em diversos pontos do cérebro, especialmente em sua extremidade anterior. O padrão dessas mudanças de atividade é bastante semelhante em mulheres e homens. É de supor que os cérebros masculino e feminino processem sensações de prazer de forma parecida.
Os estímulos e situações capazes de provocar em nós sensações de prazer são bastante diversos e variados: um pôr-do-sol, a presença da pessoa amada, o prêmio da loteria, uma boa refeição, sexo ou drogas. Isso propõe tarefas difíceis a nosso cérebro: devemos reconhecer e avaliar as diversas situações, talvez associá-las a alguma lembrança e, então, reagir – com ações, por exemplo. As demandas ao cérebro podem ser, portanto, bastante diferenciadas. Seria de esperar, pois, que também as mudanças de atividade nas diversas áreas do cérebro apresentassem forte diferenciação de um caso a outro. Mas certas regiões cerebrais permanecem ativas durante as situações emocionais mais variadas, o que significa que respondem pelo processamento de sensações de todo tipo.

Uma fonte de prazer muito importante para grande número de pessoas não foi mencionada até agora: a música. Não há pelo menos uma peça musical que, dependendo do seu estado de espírito, provoca um arrepio na espinha? Medições recentes da atividade metabólica no cérebro indicam que, durante tais fases de prazer provocadas pela música clássica, as regiões cerebrais que apresentam mudança de atividade são as mesmas em que isso ocorre quando do prazer sexual. A dor, ao contrário, pode ativar algumas das mesmas regiões ativadas pela euforia. Seria essa uma “prova” neurobiológica da proximidade de amor, prazer e dor? No nosso cérebro, ao menos, dor e prazer parecem próximos.

Não é fácil localizar com segurança o prazer e o amor no cérebro. O que, aliás, não há de nos surpreender, uma vez que, do ponto de vista científico, a compreensão desses sentimentos nos escapa. Só os conhecemos de verdade a partir de nossa experiência pessoal ao longo dos anos. Portanto, talvez estejamos fadados a continuar expostos ao furacão emocional do amor, com todos os seus efeitos colaterais – da autodestrutiva dor amorosa à inspiração para elevados vôos artísticos. - Tradução de Sergio Tellaroli.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/dossie/dossie_tramas_de_amor_e_desejo_-_as_fontes_do_prazer.html

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