quinta-feira, 19 de abril de 2012

Psicologia de elevador.

O meio de transporte, tão comum nas grandes cidades, nos obriga a dividir nosso espaço vital com estranhos e coloca à prova a capacidade de comunicação.




O elevador é o meio de transporte mais usado nas grandes cidades. Só em São Paulo estima-se que existam mais de 270 mil unidades. E cerca de 8 mil novos são instalados a cada ano no Brasil. A caixa metálica iluminada, com painel de botões e, em alguns casos, um espelho, proporciona o deslocamento vertical de forma muito simples e eficaz – e também explicita modos de interagir. Há os que se sentem donos da situação, justamente porque se encontram em uma área restrita. Outros experimentam o desconforto de compartilhar o espaço vital, tão exíguo, com desconhecidos e, intimidados, torcem para chegar logo ao andar de destino. Existem ainda aqueles que usam o local para jogos sexuais O fato é que cada um de nós tem uma forma de enfrentar o elevador. Com exceção, obviamente, dos que sofrem de claustrofobia e preferem a escada.

Em uma pesquisa realizada nos Estados Unidos em 2001, foram usadas câmeras de vigilância em 15 edifícios públicos. A idéia era identificar e quantificar comportamentos típicos adotados no meio de transporte, a começar pela posição escolhida no interior da cabine. A posição preferida por 47% das pessoas, quase dois terços das quais do sexo masculino, é aquela próxima à parede oposta à porta, ou no máximo ao centro. Não por acaso, é uma localização que permite manter sob controle todo o espaço visual. Na prática, uma posição de poder. Isso é confirmado pelo fato de que oito em cada dez pessoas das que ficam diante da parede posterior assumem duas posturas típicas de comando: braços cruzados, sinalizando a interdição à aproximação alheia, ou com as mãos apoiadas na cintura.

Cerca de 30% dos passageiros solitários, com predomínio do sexo masculino, se colocam diante da porta. Manifestam certa impaciência e parecem não ver a hora de sair. Os ingleses os chamam de front runners: muitas dessas pessoas mantêm o nariz a menos de 20 cm da porta, de forma que possam sair assim que ela começa a se abrir. Os 24% restantes se posicionam mais ou menos igualmente à esquerda ou à direita da porta, com ligeira preferência pelo lado em que se encontra o painel.

As coisas mudam quando se trata de elevador já ocupado por um ou mais passageiros. Se a pessoa que já está dentro se posicionou no fundo, os recém-chegados se colocam no lado da porta, à direita ou à esquerda. Também se comportam dessa forma aqueles predispostos a ocupar a posição do fundo quando estão sozinhos. Apenas 2% forçam a situação, ocupando a parede do fundo e obrigando o outro a se espremer em um dos dois ângulos, simulando uma espécie de guerra territorial.

DISPUTA TERRITORIAL
Os front runners, que estão com o nariz perto da porta, não mudam muito seu comportamento quando encontram alguém no fundo: colocam-se sempre na proximidade da saída, mas ligeiramente de lado, de modo a deixar espaço para quem está atrás sair rapidamente, possivelmente como eles mesmos fariam. Se, no entanto, a pessoa que já está dentro escolheu um dos ângulos, a que entra tende a manter a mesma atitude, ocupando o espaço que lhe é mais adequado.

A coisa se complica um pouco se o elevador está cheio. Em geral, pode-se afirmar que o indivíduo que entra ocupará o espaço livre disponível, dando preferência à sua própria inclinação quando está “solitário”. Se no elevador estiverem quatro pessoas, nenhuma delas diante da porta, em 90% dos casos o quinto será o front runner, abrindo mão do que teria feito se estivesse sozinho. Apenas uma minoria dos que entram em um elevador lotado tentará se posicionar em um espaço estreito, constrangendo os outros a se deslocar e causando certo aborrecimento aos demais.

Para tentar explicar esses comportamentos, é preciso recorrer aos nossos ancestrais, do Homo erectus ao Neanderthal e aos primeiros Homo sapiens. Eles necessitavam de um vasto território para assegurar a subsistência do grupo. Na ausência da agricultura, da criação intensiva de animais e de armas adequadas, para matar a fome precisavam de extensas áreas para caçar e colher frutos silvestres.

“Essa exigência é observada também em muitas espécies animais que marcam os limites com a própria urina”, diz o sociólogo italiano Roberto Tassan, especialista em comunicação e comportamento humano. Ainda que o homem moderno seja, pelo menos na aparência, um pouco mais evoluído e não marque o território com as próprias secreções, ele usa sinais comportamentais de natureza subliminar que têm o mesmo significado. “Parece que o indivíduo que entra primeiro em um local fechado, como o elevador, considera inconscientemente que conquistou uma espécie de direito de precedência, enquanto o recém-chegado assume um comportamento de ligeira subordinação psicológica em relação aos que já conquistaram o terreno”, observa Tassan.

Segundo esse ponto de vista, faz sentido que o indivíduo que entra primeiro no elevador em geral se posicione ao fundo, dando as costas à parede, como se usasse a linguagem corporal para expressar, até inconscientemente, uma mensagem do tipo: “Este território é meu e você é um intruso”. “As paredes oferecem sensação de segurança. Por isso, sem se dar conta, a pessoa se posiciona com as costas protegidas”, esclarece Tassan. O discurso, obviamente, não vale para os front runners, que não querem se comunicar e tendem a dar as costas até aos que entram depois.

DIZER SEM PALAVRAS
Estar no elevador junto a outras pessoas significa compartilhar um espaço restrito, no sentido de que estamos constrangidos a nos relacionarmos com outros indivíduos, em geral desconhecidos, a uma distância física que normalmente não seria tão curta. Entra em jogo, portanto, a prossêmica, isto é, o estudo a organização do espaço durante as relações interpessoais e a sua relevância para a comunicação.

A prossêmica fixa regras precisas que estabelecem o espaço de proximidade com o outro. Há variações entre indivíduos e de uma cultura para outra. Naturalmente, a distância é menor no caso das relações íntimas e maior nos relacionamentos sociais. É como se cada ser humano fosse circundado por uma bolha virtual, que só pode ser invadida nas relações íntimas, nos rituais rápidos de saudação (como o beijo na face de um amigo ou apenas conhecido), ou em circunstâncias caracterizadas por manifestações agressivas. “São regras não escritas, que não têm validade em espaços fechados e restritos como o elevador, no qual somos obrigados a infringi-las. A ruptura de tais regras pode provocar em certas pessoas intenso desconforto e sensações aversivas.

Para tentar esconder o desconforto quando está no elevador com estranhos, é comum a pessoa se concentrar na inscrição sobre o peso máximo permitido, lendo-a e relendo-a várias vezes, como se fosse um mantra mental, ou observar ansiosamente as luzes do painel. Na prática, o sujeito tenta enfrentar a invasão da bolha. “Em geral, as que mais sofrem são as pessoas cuja educação foi marcada por certa rigidez e escasso contato físico”, diz Tassan. O elevador tem portanto outras regras, que ultrapassam as da prossêmica e dizem respeito à comunicação - em particular a não-verbal.

É preciso, porém, distinguir dois contextos, cada um com características específicas: o de elevadores “conhecidos” da empresa onde trabalhamos ou do condomínio onde moramos, dos elevadores públicos (como os de hospitais, centros comerciais ou aeroportos). O primeiro transporta pessoas que mais ou menos se conhecem, ao passo que o público é freqüentado por indivíduos que em geral nunca se viram.

É este o contexto mais interessante no que diz respeito à comunicação. Segundo o teórico e pesquisador austríaco Paul Watzlawick, um dos fundadores do Instituto de Pesquisa Mental em Palo Alto, Califórnia, morto em março de 2007, a comunicação é um comportamento e, como não existe um não-comportamento, é impossível não se comunicar de alguma maneira - com ou sem palavras. Assim, quando compartilhamos com outros um espaço físico estamos, paradoxalmente, obrigados a nos comunicar. Não há escapatória. Pode-se comunicar disponibilidade e a atitude amigável com o sorriso ou dar indícios de desejo de não interagir por meio da postura corporal fechada. Dar as costas a quem se encontra no elevador conosco, por exemplo, significa negar-se a qualquer forma de aproximação além da inevitável.

Este último é um dos chamados gestos de barreira. O mais comum deles, no elevador, é cruzar os braços. A posição diagonal do braço diante do tórax, que adotamos para acertar o relógio, também pode ser considerada um gesto instintivo de defesa. Outro modo de negar a comunicação aos companheiros de viagem é o “olhar velado”, que ignora o outro voltando-se para um detalhe da própria roupa, para algum acessório ou objeto que se tem nas mãos. Tais dinâmicas ganham ênfase na situação em que as pessoas transportadas se conhecem. Quando damos as costas a um colega ou vizinho, o gesto assume um significado muito mais enfático do que quando estamos em companhia de desconhecidos.

Certas pessoas sentem, no elevador, um irresistível impulso de falar, ao passo que outras evitam até dizer um rápido “bom dia”. Desse ponto de vista, é possível distinguir – ainda que de forma muito superficial – três tipos gerais: o extrovertido, o introvertido e o que, na análise transacional, é definido como “ok-não ok”. O primeiro seria uma pessoa voltada para os outros, que tem necessidade de comunicar para se sentir psiquicamente viva, enquanto o introvertido é reservado e dificilmente toma a iniciativa de romper o silêncio, ainda que aceite que outros o façam e até participe de uma conversa com estranhos. É improvável, porém, que o introvertido, em geral dotado de uma rica vida interior que o leva a se perder nos próprios pensamentos, distanciando-se com a mente do ambiente em que se encontra, inicie um diálogo. O terceiro tipo, o ok-não ok, seria o indivíduo que costuma comparar-se constantemente com os demais, desprezando-os ou sentindo-se inferior, com base em informações subjetivas e, em geral, preconceituosas. Com freqüência, desloca-se para duas posições, ambas desconfortáveis: sente-se constrangido e afasta-se, na tentativa de se proteger do desconforto, ou julga que as pessoas não são dignas de sua atenção e, portanto, não tem interesse em estabelecer contato.

EM CASO DE PÂNICO

A sensação claustrofóbica evocada pelo elevador pode atingir pessoas de qualquer idade e sexo. Mesmo os que freqüentam elevadores há anos podem, inesperadamente, desenvolver um terror descontrolado e irracional, manifestando sintomas de ansiedade e angústia, sensação de sufocamento, sudorese, náusea, falta de salivação, tremores, palpitações, incapacidade de pensar racionalmente e perda de controle.

“A gênese da claustrofobia remonta ao processo evolutivo: no longo percurso que transformou os primatas em seres humanos, nossos ancestrais pré-históricos muitas vezes se encontravam em situações de perigo, privados de qualquer possibilidade de fuga”, diz Tassan. Segundo ele, a reiteração dessa situação parece ser a matriz da fobia. Além disso, há o agravante de um dado da realidade: o elevador é um meio mecânico que pode quebrar ou –- em casos raríssimos – despencar.

O claustrofóbico teme não apenas a queda, mas a parada entre dois andares e o aprisionamento forçado durante a interminável espera por socorro, enquanto o oxigênio se reduz. É provável que, menos freqüentemente, o transtorno esteja ligado a fatores de natureza anatômica. No ouvido interno, o labirinto, que assegura a sensação de equilíbrio, pode provocar vertigens, tonturas e náuseas em caso de alterações – algo similar ao mal-estar que certas pessoas experimentam viajando de navio ou andando de carro em estrada sinuosa.

CONCEITOS-CHAVE
Comportamentos de nossos ancestrais podem ajudar a compreender as atitudes adotadas hoje nos elevadores. Os primitivos necessitavam de um vasto território para assegurar a subsistência do grupo. Ainda que o homem moderno seja, pelo menos na aparência, mais evoluído e não marque o território com as próprias secreções, ele usa sinais subliminares, dos quais nem sequer se dá conta, para delimitar seu território.

O contato no elevador pode romper as regras da prossêmica – a organização do espaço durante as relações interpessoais e a sua relevância para a comunicação, considerando variações entre indivíduos e de uma cultura para outra. A distância é menor entre pessoas com quem temos relações mais íntimas e maior nos casos de relacionamentos sociais. É como se cada ser humano fosse circundado por uma bolha virtual, que só pode ser invadida nas relações íntimas, nos rituais rápidos de saudação, nas manifestações agressivas.

É possível distinguir, embora de maneira superficial, três tipos básicos de usuários de elevador: o extrovertido (que em geral inicia conversas), o introvertido (que habitualmente fala somente quando lhe é solicitado) e o auto-suficiente (que, com gestos de restrição, explicita insegurança ou desprezo em relação a si e aos demais).

SOBE-E-DESCE

Algumas pessoas têm preferência por locais pouco convencionais para as práticas sexuais. A fantasia dos amantes não tem limites, mas o sexo no elevador (como, não raro, as filmadoras registram) tem algo específico. “Em banheiros de restaurantes ou aviões, no escritório ou no carro, por exemplo, é possível fechar a porta a chave e não ser descoberto; já no elevador há sempre o risco de a porta se abrir e aparecer um estranho”, comenta Ciro Basile Fasolo, antropólogo da Universidade de Pisa. Há ainda a possibilidade de que exista uma câmera escondida e de que alguém assista a tudo do início ao fim. “Tais comportamentos podem ser considerados extravagantes, algo que os ingleses definem como crazy. Mas o termo tem também um significado libertário, pode ser compreendido como uma forma de fugir da pressão do trabalho, da ansiedade social e da monotonia da relação conjugal”, diz Fasolo.

ENTRA-E-SAI
ANDREA EBERT

Para fugir do desconforto da convivência forçada, é comum que as pessoas adotem diferentes posturas, nem sempre condizentes com seu comportamento usual. Veja alguns desses tipos que surgem entre um andar e outro:

Intrometido – Falador e, em geral, indiscreto, sente-se no dever de conversar com todos, falando interminavelmente até o elevador se esvaziar.

Observador – Perscruta os outros da cabeça aos pés, observando detalhes da roupa ou características físicas; não fala, parece não exprimir nenhuma emoção e fica atento mesmo que o elevador esteja vazio.

Arrogante – Na maioria das vezes vestido de forma impecável, olha os outros com desprezo ou auto-suficiência e, em geral, é um front runner. Não raro, assume tal atitude por puro mal-estar causado pela proximidade alheia. Costuma sacar o celular assim que a porta abre.

Intratável – Faz de tudo para evitar qualquer contato, físico ou verbal. Se o elevador está ocupado, hesita entre entrar, usar a escada ou esperar a próxima viagem. Se alguém tenta romper o silêncio, fica quieto, olhando para frente.

Vaidoso – Busca imediatamente um espelho e, na falta deste, usa a superfície metálica que reflete sua imagem para ajeitar roupas, cabelos e sobrancelhas.

Inseguro – Mostra-se hesitante, atrapalha-se com o andar. Solicita as mais diversas informações.

PARA CONHECER MAIS
O elevador como objeto de estudo da psicologia ambiental. Viviane Cruvinel de Castro, em Textos de Psicologia Ambiental, págs. 1-3, 2005. Disponível em http://www.unb.br/ip/lpa/pdf/20Viviane2005.pdf

Comportamento nos elevadores: um estudo experimental. Marco Akira Miura, em Textos de Psicologia Ambiental, págs. 1-3, 2005.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/psicologia_de_elevador.html

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