domingo, 20 de novembro de 2011

O texto como placebo.

Autoajuda encerra uma lição que vale para a ciência: O paciente precisa do amparo das palavras.



A palavra placebo (do latim agradarei) refere-se a uma substância ou um procedimento que teoricamente não faria efeito sobre o organismo, mas que acaba tendo resultados terapêuticos, pela crença que uma pessoa deposita nela. Pergunta: é o texto um placebo? No caso da ficção, pode-se dizer que sim. É algo que resulta da imaginação de um escritor, de um cineasta, de um dramaturgo; mas, quando agrada o espectador ou o leitor (um objetivo implícito na própria criação ficcional), exerce um efeito que poderíamos chamar de terapêutico. A ficção ajuda a viver. E isso inclui uma melhora da saúde – pelo menos do ponto de vista psicológico. Para muitas pessoas a leitura é um amparo, um consolo, uma terapia. Daí nasceu inclusive um gênero de livros que se tornou popular: as obras de autoajuda. Diferentemente da ficção, elas aconselham o leitor acerca de problemas específicos: luto, controle do stress, divórcio, depressão, ansiedade, relaxamento, autoestima, e até a felicidade. Esse tipo de leitura faz um enorme sucesso; não há livraria que não tenha uma seção destinada especialmente à autoajuda.

Um dos autores mais conhecidos dessa área é o médico hindu Deepak Chopra. Formado em medicina pela Universidade de Nova Déli, na Índia, emigrou para os Estados Unidos, especializou-se em endocrinologia e trabalhou no New England Memorial Hospital, em Massachusetts. Uma carreira médica habitual, portanto, que mudou em 1985, quando Chopra fundou a Associação Americana de Medicina Védica. Em 1993, mudou-se para San Diego, na Califórnia, onde fundou o The Chopra Center For Well Being. Ainda no mesmo estado, agora em La Jolla, criou em 1996 o Chopra Center. Fazendo um parênteses: a Califórnia é um conhecido reduto da vida e da medicina alternativas, como aromaterapia, osteopatia, toque terapêutico, terapia floral e outras.

Deepak Chopra é autor de mais de 50 livros de autoajuda, que, traduzidos em 35 idiomas, fi zeram enorme sucesso; em 1999, a revista americana Time incluiu-o na sua lista das 100 personalidades do século, como o “poeta e profeta das terapias alternativas”. As obras mostram a diversidade de áreas que Chopra aborda: ele fala de religião e misticismo (budismo,cristianismo, cabala), dá conselhos a pais, aborda o envelhecimento, aconselha sobre guerra e paz, fornece “sete leis espirituais” para o sucesso, e publicou dois romances, em 1999, Lords of light (Senhores da luz), e em 2000, The angel is near (O anjo está perto). Também fundou, com seu fi lho, Gotham Chopra, uma editora de revistas em quadrinhos e criou, junto com dois colaboradores, um tarô cabalístico composto de 22 cartas, cada uma das quais representa a história de um personagem do Antigo Testamento.

Não faltam críticos para a medicina alternativa. O argumento principal é de que a medicina moderna deve se basear em evidências resultantes de estudos experimentais, epidemiológicos, estatísticos, o que não acontece com muitos dos métodos alternativos. Isto não quer dizer que esse tipo de tratamento não funcione, ou que a literatura de autoajuda não surta efeito. Neste último caso, o que temos é um apelo espiritual ou psicológico traduzido na palavra escrita, que, ao longo do tempo, sempre teve uma aura de autoridade e de verdade. Não por acaso as três grandes religiões monoteístas, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo, baseiam-se em textos: o Antigo Testamento, o Novo Testamento, o Corão. Os muçulmanos, aliás, falam nos “povos do livro”. Por outro lado, a própria medicina tem uma longa tradição de obras escritas para o público em geral. Aquele que foi, talvez, o pioneiro de todos eles, o Regimen Sanitatis Salernitanum (Regime de Saúde da Escola de Salerno) – uma das primeiras escolas médicas do Ocidente – datada do século XII ou XIII, e dá conselhos em versos, para facilitar a leitura e a memorização. Creia-se ou não na autoajuda, ela encerra uma lição, que vale para a medicina científica: o paciente precisa do amparo das palavras. Se não encontrar um médico com quem possa falar, recorrerá aos livros de autoajuda. E isso é um problema porque, como se sabe – e diferentemente de nosso organismo – o papel aceita tudo.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/o_texto_como_placebo.html

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