terça-feira, 15 de novembro de 2011

Por que somos cegos?

Embora muitos acreditem que nossos olhos funcionam como câmeras que registram as cenas que vemos, estudos mostram que nossa capacidade de apreender informações visuais é bastante limitada.



Imagine que você faz parte de uma plateia que assiste a pessoas driblando e passando entre si uma bola de basquete. Sua tarefa é contar durante 60 segundos o número de vezes que cada jogador faz um passe. Você descobre que precisa se concentrar, porque a bola se movimenta muito rapidamente. Então, alguém com fantasia de gorila atravessa o lugar, caminha entre os jogadores, vira o rosto para os espectadores, bate no peito e vai embora . Surpreendentemente, de acordo com
um estudo realizado pelos pesquisadores Daniel J. Simons, da Universidade de Illinois, e Christopher F. Chabris, da Universidade Harvard, 50% dos voluntários que participaram desse estudo não notaram o gorila. Muitos acreditam que nossos olhos funcionam como câmeras que produzem um registro impecável do mundo ao redor, mas essa pesquisa demonstra que são poucas as informações que realmente apreendemos em um relance.

O resultado desse experimento é o ponto culminante de uma série de estudos sobre atenção e visão iniciados há mais de três décadas por alguns pesquisadores como Ulric Neisser, da Universidade Cornell, Ronald A. Rensink, da Universidade da Colúmbia Britânica, Anne Treisman, da Universidade de Princeton, Harold Pashler, da Universidade da Califórnia, e Donald M. MacKay, da Universidade de Keele, na Inglaterra.



Os estudiosos se referem ao “efeito gorila” como uma “cegueira por desatenção” ou “cegueira para mudanças”. Nosso cérebro tenta, constantemente, construir narrativas significativas daquilo que vemos. As coisas que não se encaixam muito bem no roteiro ou têm pouca relevância são eliminadas da consciência. Se as informações suprimidas são, apesar de tudo, processadas inconscientemente, ainda não sabemos. Outro exemplo é o jogo infantil dos erros, de “identificar as diferenças”. Duas imagens são similares o bastante para que o cérebro pressuponha que podem ser idênticas; são necessários minutos de atenção para localizar as disparidades.

O valor de uma narrativa cerebral se torna evidente quando consideramos estímulos sensoriais que podem ser confusos. Ao inspecionarmos uma sala ao nosso redor, as imagens que vemos pulam rapidamente à medida que várias partes da cena excitam diferentes partes da retina. Ainda assim, o mundo parece estável. Há algum tempo, pesquisadores acreditavam que a experiência de ter uma visão intacta era criada pelo cérebro e que ele era responsável por enviar para os centros visuais uma cópia dos sinais de comando do movimento ocular originários dos lobos frontais. Acreditava-se também que as áreas visuais recebiam antecipadamente “informações privilegiadas” de que a imagem saltitante sobre a retina era causada pelo movimento dos olhos e não pelo mundo em movimento.

Mas um efeito que qualquer um pode realizar em casa mostra não ser tal movimento o único motivo. O diretor de ópera Jonathan Miller e um de nós observamos, separadamente, o mesmo efeito no início dos anos 90. Você pode tentar: vire uma televisão de ponta-cabeça ou use um prisma para alterar opticamente a imagem. Alternadamente, desligue o som do aparelho e fique ao lado, olhando para a tela com sua visão periférica. Sintonize qualquer canal e observe o que acontece. Você verá súbitas mudanças enervantes e perceberá “solavancos visuais”. A seguir, fixe o olhar na tela do aparelho na posição normal, olhando-o de frente, com volume normal. Agora, os cortes e os movimentos da câmera fluem homogeneamente e sem descontinuidades de uma imagem à outra – na verdade, você nem sequer percebe esse movimento. Mesmo quando a cena muda, você não vê uma cabeça se transformando, ou uma fusão de uma na outra caso sua atenção se alterne entre dois interlocutores numa cena. Você apenas sente o ponto de vista mudar.

O que esse experimento mostra? A resposta é que quando a televisão está posicionada corretamente e você ouve o som, o cérebro é capaz de construir uma narrativa sensata. Os cortes, os movimentos e outras alterações são simplesmente ignorados por serem considerados irrelevantes, por mais marcantes que possam ser naquele contexto. Em contraste, quando a cena está de ponta-cabeça ou é notada com a visão periférica e o som está desligado, o cérebro tem dificuldade em criar um sentido expressivo com os elementos que os centros visuais percebem. E aí começamos a notar as grandes mudanças na imagem física. Esse efeito não é verdadeiro apenas para as cenas visuais, mas também para as outras experiências de vida; a coerência da consciência é uma ficção cômoda, gerada internamente.

A cena não precisa sequer ser complexa para que ocorra essa cegueira para mudanças. Em 1992, realizamos com o neurobiólogo britânico Colin Blakemore um experimento com pessoas que assistiam a um seminário que ministramos no Instituto Salk de Estudos Biológicos, na Califórnia. Inicialmente, mostramos por dois segundos um slide que continha três formas coloridas: um quadrado vermelho, um triângulo amarelo e um círculo azul (ver ilustração). Logo após nós as substituímos pelas mesmas três formas posicionadas de maneira diferente. O público observou que todas pareciam levemente distorcidas ou brilhantes. A grande surpresa veio quando trocamos uma das três figuras (o círculo) por outra: um quadrado. A maioria simplesmente não percebeu a troca, exceto alguns que estavam concentrando sua atenção naquele objeto em particular. Mesmo com figuras geométricas, constatamos a sobrecarga sensorial e a cegueira para mudanças.



Finalmente, imagine que você esteja olhando fixamente para um pequeno “X” vermelho ligeiramente deslocado à esquerda. Por um breve momento, mostramos a você uma cruz. Tudo o que você precisa nos dizer é qual é mais comprida – a linha vertical ou horizontal da cruz. As pessoas cumprem essa tarefa sem esforço. Agora, introduzimos sorrateiramente uma palavra direto sobre a cruz durante o segundo em que você está analisando o tamanho das linhas: Arien Mack, da Universidade New School, e Irvin Rock, da Universidade Rutgers, descobriram que as pessoas não identificavam a palavra.

Talvez você esteja lendo este artigo em um restaurante lotado. Notou algum gorila passando por você? Dada a demonstração de Simons, como você pode ter tanta certeza de que não passou nenhum? Supomos que isso depende de quanto você gostou do que leu.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/reportagens/por_que_somos_cegos_.html

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