sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Exame Neurológico Essencial em Medicina.



O site http://www.neurologia.ufsc.br/index.php/component/content/article/66 da Universidade Federal de Santa Catarina, além de inúmeras informações e de um compêndio muito rico de artigos em neurologia, trouxe um resumo muito interessante sobre o exame neurológico.
Organizado pelo Dr. Prof. Paulo Cesar Trevisol Bittencourt, o texto abaixo dá para o aluno uma clara noção do exame neurológico.
Segue abaixo o texto que apresenta uma linguagem clara e objetiva.



Exame Neurológico Essencial em Medicina do Tráfego
Prof. Paulo Cesar Trevisol Bittencourt
www.neurologia.ufsc.br

Introdução

Neste capítulo pretendo sumarizar os aspectos mais relevantes de semiologia neurológica, úteis na apreciação da capacidade para a direção de veículos automotores. Antes de qualquer coisa é importante salientar que a sociedade brasileira está em franco processo de envelhecimento; desta maneira, todos nós estamos fadados a apresentar sinais e sintomas neurológicos de complexidade variável ao longo de nossa saga existencial. Em muitos indivíduos, anormalidades menores poderão ser encaradas como fisiológicas. Outros expressarão doenças neurológicas, cujas evoluções tenderão a produzir importante limitação funcional. Como regra geral, as doenças desta área, a despeito do notável progresso terapêutico logrado nas últimas décadas, tendem a agir de modo lento e inexorável. Contudo, as exceções são numerosas, e somente a guisa de exemplo, menciono três delas: as epilepsias, cuja taxa de remissão é de aproximadamente 80%; pessoas sofredoras de transtornos vasculares resultantes em infartos cerebrais, cujos déficits tendem a ficarem estanques e até mesmo regredirem parcialmente com práticas fisioterápicas adequadas; e pessoas vitimadas por Parkinson, cada vez mais comum entre nós, que podem ter uma vida gratificante e prazerosa por muitos anos após este diagnóstico. Finalmente, considere a evolução tecnológica e suas facilidades crescentes, que podem manter viáveis diversas capacidades humanas, inclusive a habilidade de conduzir veículos, em pessoas apenadas por transtornos neurológicos diversos.

Para fins didáticos, nesta brevíssima revisão, aqueles aspectos do exame reputados como mais relevantes serão enfocados separadamente.


1.COGNIÇÃO
Muito provavelmente é a utilização racional do cérebro o maior fator que nos distingue dos primos símios. Aliás, deve ser reconhecido que alguns chimpanzés intelectualizados demonstram habilidades superiores a muitos classificados como Homo sapiens, inclusive sendo capazes de dirigir veículos. Desta maneira é imperioso constatar a normalidade das funções mentais em todo o candidato a motorista. Com o intuito de avaliar Funções Cognitivas, diversos testes foram desenvolvidos nas últimas décadas. Alguns deles são tão complexos, que se aplicados no próprio inventor, fatalmente identificariam alguma pseudo anormalidade neuro-psicológica. Esta complexidade, inclusive, pode provocar reações negativas nos indivíduos submetidos; pessoas entediadas tendem a exibir má performance durante os testes. Assim, nada mais eficaz para verificar o status cognitivo de um ser humano que um diálogo empático, sincero e objetivo. Caso reste alguma dúvida, testes de simples aplicação e grande eficácia podem ser utilizados. Por exemplo, solicite ao examinado que enumere nomes de animais que comecem com a letra C (ou qualquer outra letra do seu agrado). Indivíduos cognitivamente sadios serão capazes de citar vários deles no intervalo de um/dois minutos. Porém, suponhamos que a pessoa examinada tenha extrema dificuldade em recordar e nomeie somente dois ou três. Neste caso, dê-lhe uma chance e parta imediatamente para a Aritmética. Qualquer cidadão alfabetizado, até mesmo aqueles que, como eu, vêem na matemática o seu pesadelo existencial, costuma sair-se bem na prova dos sete: peça para ele subtrair Sete sucessivamente, iniciando com o número Cem. Devido à pressão psicológica, devemos tolerar alguns erros ao longo desta operação, dois ou três no máximo. Você ainda continua desconfiado? Cheque então sua capacidade de abstração com provérbios da sapiência popular, tais como o clássico açoriano: “Honra e proveito não cabe no mesmo balaio” ou se achar que este é politicamente tendencioso, prestigie os internacionais “A fome é o melhor aperitivo” ou “Água mole em pedra dura tanto bate até que fura”, e assim por diante. Se ao final da sabatina julgar que o candidato a motorista teve um desempenho sofrível, sugiro encaminhá-lo para uma avaliação neuro-psiquiátrica apropriada. Mas, por favor, tenha em conta que seres geniais, não raro, poderão ter um mau desempenho em testes para normais; pessoas disléxicas são um exemplo disso.


2. PARES CRANIANOS

Aqui serão somente considerados aqueles pares cranianos cuja alteração poderá resultar em má conduta direcional. De particular interesse são os pares III, IV e VI, responsáveis pela movimentação ocular. Lesão isolada de qualquer um deles resultará em queixa de diplopia.

O IV (Troclear) somente inerva o músculo obliquo superior, responsável por trazer o globo ocular para dentro e para baixo e por isso bem definido pelos espanhóis como patético. O VI (Abducente) é igualmente responsável por um único músculo, o reto lateral, que movimenta o olho para fora. Os demais músculos são inervados pelo III (Oculo Motor). Pessoas que desenvolvam síndrome de hipertensão intra-craniana, não importando qual etiologia, geralmente desenvolvem estrabismo convergente bilateral. Em TODOS, edema de papila ótica é observado. Lesão no III é geralmente unilateral e apresentará como conseqüência estrabismo divergente. Além disso, ptose palpebral e midríase ipsilaterais são comuns. Embora não tenha nada a ver com isso, aproveite para relembrar da síndrome de Horner, secundária ao acometimento do simpático cervical: anidrose, ptose, miose e enoftalmia. Tumor do ápice pulmonar (Pancoast) é uma causa temida, mas inocentes defeitos de fábrica serão, muito provavelmente, a causa mais comum desta síndrome.

Um outro par craniano que deve ser objeto de consideração é o VIII (vestíbulo-coclear). A porção vestibular está conectada com vias cerebelares exercendo importante função no equilíbrio. A afecção deste par resultará em equilíbrio deficiente, com queda para o lado lesionado quando suprimimos sua visão. O envolvimento da porção coclear também poderá provocará déficit auditivo de grau variado. Neoplasias situadas no angulo ponto-cerebelar, envolvendo este par, além dos déficits acima mencionados, frequentemente afetam o V (trigêmio) e VII (facial) pares concomitantemente, além do cerebelo ipsilateral. Neurinomas do VIII não são raros. Pacientes com facomatoses, particularmente aqueles com neurofibromatose, são suas maiores vítimas. Classicamente, estas pessoas apresentam manchas café com leite na pele e neurofibromas difusamente. Eventualmente nestes indivíduos, serão bilaterais e terão surdez como consequência.

Considere ainda o seguinte:

a) Alcoolistas pesados são candidatos a síndrome de Wernicke-Korsakoff e alterações nos movimentos oculares poderão ser o sinal inicial.

b) Ptose, uni ou bilateral, associada a queixa de diplopia e fraqueza muscular, é igual ao diagnóstico de miastenia gravis, até prova em contrário.

c) Indivíduos com neurolues ou diabetes mellitus podem apresentar as famosas pupilas prostitutas, aquelas que se acomodam mas não reagem. Isto é, possuem capacidade de acomodação a distância preservada, mas não respondem a estímulo luminoso.

d) Uma pupila midriática e não responsível a estímulo luminoso direto está frequentemente associada com atrofia do nervo óptico e, neste caso, será possível detectar queda importante da acuidade visual. Palidez da papila será notada facilmente à fundoscopia ocular.


3. TÔNUS MUSCULAR

Tônus é um estado de semi-contração dos músculos que pode ser observado mesmo em situação de repouso. Diversas condições neurológicas determinam alteração do mesmo, aumentando ou produzindo grande hipotonia e causando limitação considerável nos movimentos. Entre as primeiras estão incluídos os pacientes com Parkinson e aqueles com sequelas motoras de infartos cerebrais. Note que apesar do aumento verificado em ambas estas situações, eles tem características semiológicas bem distintas entre si. Pacientes com a genuína doença de Parkinson costumam exibir hipertonia do tipo roda denteada, isto é, quando você faz pronação/supinação do punho ou flexão/extensão do antebraço ou da perna, percebe-se nitidamente movimentos quebrados como uma roda denteada em movimento. Por sua vez, aqueles com espasticidade por lesão no trato piramidal são tipicamente vítimas de infartos cerebrais, traumas, ou doenças desmielinizantes da medula espinhal, e evidenciam uma hipertonia que relembra os movimentos de um canivete.

Já como exemplos de estados hipotônicos, identificam-se todos aqueles com doenças cerebelares puras, os portadores de miopatias diversas e a coréia reumática. É importante lembrar que o uso abusivo de drogas, sejam elas legais, como as benzodiazepínicas, ou ilegais como marijuana, também são etiologias comuns de estados hipotônicos variados.

Atenção: tanto hipotonia como hipertonia tem na palavra fraqueza sua representação sintomática.

Algumas palavras sobre Miotonia. Esta é uma alteração suigeneris do tonus: músculos ágeis na contração apresentam grande dificuldade para relaxar. O fenômeno sofre um incremento considerável em baixas temperaturas e obviamente isso deveria no Sul do Brasil. Distrofia muscular miotônica, também conhecida pelo epônimo de “Doença de Steinert”, é a sua causa mais comum, e por se tratar de uma alteração genética haverá sempre farta evidência do acometimento de vários membros consangüíneos da família. No cidadão com esta enfermidade, a percussão de qualquer grupo muscular provocará uma resposta típica: contração rápida como de praxe e relaxamento exageradamente lento do músculo testado. Miotonia, sem a conotação de doença, é apresentada na natureza pelo Bicho Preguiça.


4. TROFISMO MUSCULAR

Atrofia muscular pronunciada será evidente em toda pessoa com acometimento dos neurônios inferiores ou dos nervos periféricos. A presença de fasciculações[1] difusas, associada com atrofia muscular e exaltação dos reflexos profundos, é altamente sugestiva da “Doença Degenerativa do Neurônio Motor”, cuja forma mais comum é chamada de Esclerose Lateral Amiotrófica. Pacientes com este diagnóstico – definitivamente - não devem apresentar alterações de sensibilidade. Caso apresente, Seringomielia seria uma boa alternativa diagnóstica.

Vítimas de Poliomielite apresentam sinais e sintomas secundários à destruição neuronal ao nível do corno anterior da medula, resultando em paralisias flácidas, arreflexas e obviamente com sensibilidades normais. Quase sempre os déficits são assimétricos e invariavelmente estáveis.

Miopatias diversas, maioria das quais geneticamente herdadas, costumam cursar com atrofia muscular generosa e acometem fundamentalmente a musculatura proximal.

Polineuropatias Periféricas estão frequentemente associadas com distúrbios tróficos diversos; entretanto, o grau de atrofia, geralmente, será diminuto quando comparado àqueles sofredores de doenças que afetem os neurônios motores inferiores. Diabetes mellitus e alcoolismo crônico são suas principais causas em qualquer sociedade. Este assunto será enfocado adiante, mas concernente a Diabetes, gostaria de salientar que danos a sensibilidade proprioceptiva são comuns. Criterioso exame desta forma de sensibilidade deveria ser efetuado em todos os portadores, pois podem ter a capacidade de direção noturna gravemente afetada.


5. REFLEXOS

Dentre os vários reflexos passíveis de serem provocados, aqueles que deveriam fazer parte da avaliação são os que seguem:

a) Miotáticos (ou Profundos): qualquer tendão muscular estirado repentinamente tem o dom de provocar, em resposta reflexa, a contração do músculo. Contudo, os mais frequentemente pesquisados são: bicipital (C5), tricipital (C7), estiloradial (C6), patelar (L4) e aquileu (S1). Respostas, tanto exageradas como diminuídas ou abolidas, tem especial valor, particularmente quando assimétricas. As exageradas sugerem afecção dos neurônios motores superiores e a sua diminutas ou inexistentes são sugestivas de comprometimento dos neurônios motores inferiores ou de nervos periféricos. Considere que pessoas ansiosas tendem a apresentarem resposta universalmente aumentada sem qualquer significado patológico.

Atenção: a causa mais comum de não obtenção dos reflexos profundos não é doença neurológica, mas sim falha do examinador que não criou um clima cordial que propicie relaxamento muscular, essencial para uma resposta fisiológica.

b) Cutâneo-plantar: pesquisa-se o mesmo passando um objeto de ponta romba sobre a região plantar do pé. Os ingleses sugerem uma chave de Rollsroyce, mas nesta crise braba serve qualquer uma, até de Fiat 147. Quando o examinado responde com a extensão do hálux e abertura em leque dos demais dedos, diz-se que o sinal de Babinski está presente. Por favor, nunca diga positivo, pois não existe Babinski negativo. Este sinal indica, quase sempre, perda de função do trato piramidal, mesmo que transitória. Exemplos de causa de perda transitória são os comas diabéticos, meningite ou pós crise epilética maior. Também pode se tratar-se de lesão anatômica no trato piramidal, tendo como sinais comuns a espasticidade associada com aumento ipsilateral dos reflexos profundos.


c) Grasping (ou reflexo de apreensão): balança-se um objeto em frente ao indivíduo examinado. Caso ele esteja sofrendo de algum tipo de demência, muito provavelmente, ele irá tentar segurar o objeto pendente a sua frente. Igualmente quando você aperta a sua mão, a tendência será de manter a mão do examinador aprisionada, gerando um natural constrangimento para ambos. Ambos são indicadores de disfunção cortical, particularmente dos lobos frontais.

Atenção: Demência é um problema comum na jovem sociedade brasileira e a Doença de Alzheimer, isoladamente, é responsável por aproximadamente 80% dos casos. Os sinais acima descritos deveriam ser sistematicamente pesquisados quando da sua suspeição diagnóstica. Formas brandas de Demência, Alzheimer em sua fase inicial, por exemplo, não deveriam servir de pretexto para restrição direcional na forma amadora. Particularmente quando o hipotético candidato a sua revalidação, demonstrar que seu uso é restrito ao bairro onde está habituado a viver há décadas.


6. COORDENAÇÃO

Manobras para testar-se a coordenação foram estabelecidas há mais de cem anos e ainda continuam em moda. Resumidamente pode ser assumido que quando realizadas com os olhos abertos estará se testando a função cerebelar; porém, quando a mesma manobra é realizada sem o auxílio dos olhos testa-se as vias da propriocepção, conduzidas pelo cordão posterior da medula.

Manobra índex-naso é das mais tradicionais e consiste em pedir ao examinado que toque com seu indicador a ponta do indicador do examinador postado a sua frente e imediatamente após toque na ponta do seu próprio nariz. Este deverá estar situado longe o suficiente para que o membro superior do examinado seja estendido por inteiro e ir mudando repetitivamente de posição. Movimentos alternantes rápidos, tais como pronação/supinação da mão, são manobras que tem a mesma finalidade. Igualmente, pedir para colocar o calcâneo sobre o joelho contralateral e escorregar sobre a tíbia. Quando alteradas todas tem o mesmo significado, remetendo ao cerebelo como origem dos problemas. A fala chamada escandida, nada mais é que uma fala disártrica consequência de ataxia da língua.

Atenção: Alcoolistas exibem cerebelopatias agudas recidivantes e por isso sofrem/promovem tantos acidentes. Com toda certeza é o uso abusivo de álcool o responsável pela maioria dos acidentes envolvendo veículos automotores. Apesar do hálito etílico não estar presente durante o exame, sinais de abuso são facilmente perceptíveis, como hipertrofia de parótidas, ginecomastia, aranhas vasculares, dentre outros, que deveriam ser pesquisados sistematicamente.

Importante citar a Doença dos Açorianos (também conhecida pelo epônimo de Machado-Joseph), devido sua alta prevalência no Sul do Brasil. Pessoas com esta doença exibem degeneração progressiva do cerebelo associada a outras alterações do sistema nervoso, tanto centrais como periféricas. Devido a incoordenação que exibem, são frequentemente confundidas com alcoólatras. Trata-se de uma condição genéticamente herdada (autossômica dominante – Ataxia Espino-cerebelar do tipo III), cujos sintomas se instalam gradualmente. Seus sofredores tendem a desenvolver habilidades compensatórias e a incapacidade direcional sobrevém somente em fase mais avançada.

Todos os acometidos por doença cerebelar, não importando qual etiologia, evidenciarão marcha imperfeita, com aumento da base de sustentação sendo sinal característico. Caso paire alguma dúvida sobre sua semiologia, relembre o último porre de sua vida.

Finalizando este tópico, gostaria de salientar que pessoas com ataxia do tipo sensitivo apresentam aparentemente movimentos bem coordenados, desde que tenham o auxílio da visão. Se suprimida a visão, seus movimentos ficarem repentinamente atabalhoados. Pacientes com esta modalidade de ataxia não deveriam dirigir a noite. A imensa maioria deles terá os diagnósticos de NeuroLues, Diabetes mellitus ou de Degeneração Combinada Sub Aguda da Medula e do Cérebro por deficiência crônica de Vitamina B12.

Atenção: Gastrectomia, por indicações diversas, era sua etiologia mais comum no passado; atualmente a Cirurgia Bariátrica é uma causa banal de Degeneração Combinada da Medula e do Cérebro por absorção deficiente de vitamina B12.


7. SENSIBILIDADES

Exame de sensibilidade dolorosa é geralmente de pouca utilidade. Além disso, em tempos onde grassa a AIDS, é pouco sensato sair espetando pessoas com agulhas, mesmo que descartáveis. Penso que a única forma de sensibilidade, cuja integridade é importante para uma boa capacidade direcional, é aquela conduzida pelo cordão posterior da medula. Danos nela provocam ataxia sensitiva conforme já comentado, responsável por graves dificuldades locomotoras em ambientes com pouca luminosidade. Uma maneira simples de avaliarmos, é o exame da sensibilidade vibratória, chamada de palestesia, que consiste em colocarmos um diapasão nas extremidades ósseas. Com o passar dos anos todos nós apresentaremos diminuição da sensibilidade vibratória; entretanto a verdadeira apalestesia é altamente sugestiva de afecção no cordão posterior da medula. Somente três condições nosológicas poderão ser responsabilizadas por este tipo de alteração: Neurolues, Diabetes Mellitus e Deficiência Crônica de Vitamina B12. Restrição veicular deveria ser ponderada para aqueles indivíduos com ataxia sensitiva exuberante.


8. SINAIS MENÍNGEOS

Este parágrafo foi incluído aqui com uma única finalidade: chamar atenção para não permitir, em hipótese alguma, que seja pesquisada rigidez de nuca em indivíduos envolvidos recentemente em acidentes de trânsito ou de qualquer outra natureza. Caso a vítima tenha sofrido luxação ou fratura de vértebra cervical, a manobra intempestiva de fletir o pescoço poderia provocar séria lesão na medula cervical; tetraplegia seria uma terrível conseqüência. Tal providência é necessária pelo menos até que se tenha uma prova radiológica de integridade da coluna cervical.


9. FORÇA MUSCULAR

Neste penúltimo tópico, saliento algo que já deveria ter mencionado desde o início. Buscam-se durante o exame neurológico evidências de assimetria, isto é, sempre se compara direita com esquerda e vice-versa. Quando se avalia força muscular este princípio é reforçado, examina-se um grupo muscular e imediatamente compara-se com o idêntico contralateral. Uma discreta assimetria é algo absolutamente normal; pois, o lado dominante habitualmente exibirá maior força. No exame da força muscular costuma-se aplicar uma classificação onde grau Zero é a completa paralisia; Um é mobilidade ínfima; Dois é algo melhor que Um, mas incapaz de vencer a ação da gravidade; grau Três quase normal; Quatro, onde examinador e examinado rigorosamente empatam e no grau Cinco o examinado vence a força do médico examinador. Com o avanço tecnológico, déficits genuinamente neurológicos de força, não importando qual a condição associada, excetuando situações de extrema debilidade, não deveriam impedir os indivíduos que dela sofrem de trafegarem em seus carros adaptados.


10. MOVIMENTOS ANORMAIS

Finalizando, breves comentários sobre as desordens mais comumente associadas a transtornos do movimento. Certamente é a doença descrita em 1817 por James Parkinson, uma das mais freqüentes. Tremor costuma ser o sinal inicial e nestas pessoas, durante esta fase, quase sempre será assimétrico. Com tratamento apropriado, as pessoas vitimadas por esta condição, terão sua capacidade direcional mantida por muitos anos. Entretanto, um aspecto deveria ser considerado. Como estes pacientes usam comumente drogas anti-colinérgicas, e estas apresentam midríase como um dos principais efeitos colaterais, o uso de óculos de sol, tipo Rayban, deveria ser fortemente recomendado em dias ensolarados. Rayban não deveria ser confundido com óculos raibaianos vendidos em qualquer budega; incapazes de filtrar raios solares, somente trazem escurecimento visual, predispondo seu usuário a acidentes automobilísticos.

Atenção: quando pacientes exibirem sinais e sintomas bilaterais desde o início, a possibilidade de Parkinsonismo induzido por droga deveria ser interrogada. Atualmente, devido ao uso abusivo de medicamentos, é bastante provável que este tipo de Parkinsonismo seja mais prevalente que a genuína doença de Parkinson. Drogas mais comumente associadas a este quadro são Cinarizina e Flunarizina, medicamentos usados a bangú para o tratamento de um diagnóstico bizarro definido pelo público leigo (e por muitos médicos também) de labirintite.

Ainda sobre tremor, sua mais comum é uma alteração benigna e geneticamente herdada, chamada Tremor Essencial. Este sempre será visto bilateralmente, principalmente em mãos, e não representa nenhuma dificuldade para direção veicular.

Outra desordem comum é Coréia. A causa mais comum é a Reumática, também conhecida pelo epônimo Sydenham. Muito embora seja mais freqüentemente detectada na infância, jovens adultos podem exibir esta variedade de Coréia. Não é raridade a apresentação de hemicoréia, isto é, os típicos movimentos são observados somente em um lado do corpo. Pessoas com esta modalidade exibem hipotonia muscular exagerada, promovendo fraqueza muscular. Acidentes podem surgir como conseqüência, portanto, coreicos reumáticos deveriam ser impedidos, temporariamente, de dirigir veículos.

A variante geneticamente herdada é chamada de Coréia de Huntington. Nesta, os sintomas costumam aparecer a partir da terceira década de vida. Infelizmente, deterioração cognitiva, algumas vezes rápida, está associada. É este aspecto que deve nortear a decisão de negar ou aprovar sua habilitação para direção de veículos.

Há também uma síndrome coreica secundária, a Hipóxia neonatal. Trata-se de uma das formas de apresentação de uma condição que atende pelo nome esdrúxulo de Paralisia Cerebral. A despeito dos movimentos involuntários exagerados, estas pessoas costumam exibir inteligência normalíssima e por isso mesmo não deveriam sofrer nenhum tipo de restrição para obtenção de habilitação versão amadora. Entretanto, seguem pagando um enorme tributo médico-social, com suas habilidades intelectuais ofuscadas pela atenção exagerada que demos aos movimentos coreicos que exibem, os quais não trazem limitação de nenhuma espécie a sua capacidade direcional.

Por fim, algumas palavras sobre um transtorno neurológico impar. Refiro-me a uma condição descrita em 1885 por Georges Gilles de la Tourette, um médico francês. Em homenagem a sua bela descrição, hoje ela é chamada de Síndrome de Tourette, especulando-se uma origem genética. Ela não constitui uma raridade e foi definida pela associação de múltiplos Tics motores e vocais, e em alguns casos, por comportamento social inadequado e pronúncia intempestiva de palavras chulas. Os sintomas típicos iniciam, na maioria das vezes, durante puberdade, e tendem a desaparecer espontaneamente com o passar dos anos. Muito embora formas leves sejam as mais freqüentes, e por isso mesmo possam passar despercebidas, sintomas mais pronunciados e permanentes poderão adentrar a vida adulta e trazerem considerável limitação social. Tics, mesmo quando exuberantes, não deveriam servir de justificativa para negar carteira de habilitação a pessoas vitimadas por esta condição.


Fonte: http://www.neurologia.ufsc.br/index.php/component/content/article/66

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