sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Mentes cegas.



A revista Mente e Cérebro, em sua edição de junho deste ano publicou um artigo que desvenda como ocorre o processo de perda de percepção das pessoas pelos autistas. Eles simplesmente desligam a mente do que ocorre ao redor e diminuem a capacidade de perceberem detalhes dos movimentos, conversas e outros detalhes que as pessoas não autistas normalmente percebem por estarem mais conectadas com os acontecimentos.
O artigos se propõe a debater acerca de como os autistas perdem essa capacidade de percepção e também de que forma isso influencia em suas vidas.
Segue abaixo o artigo completo.


Desde a infância somos capazes de perceber o que os outros sentem e pensam; autistas, porém, não dispõem desse recurso que permite a comunicação em nível mais sutil.
Na cena final do filme Casablanca, quando Humphrey Bogart finalmente pede a Ingrid Bergman que entre no avião que a levará de volta ao seu marido, a jovem mãe que assiste à sessão da tarde pela TV deixa cair uma lágrima. Instintivamente, o filho de 2 anos tenta confortá-la, oferecendo-lhe seu ursinho de pelúcia. Neste momento, os dois (cada um a seu modo) mostram a consciência intuitiva do estado mental e emocional de outra pessoa.


Esse tipo de intuição surge naturalmente para a maioria de nós – mas não para todos. Pessoas com autismo não dispõem desse recurso. O transtorno do desenvolvimento afeta uma pessoa em cada 500 (essa cifra varia, dependendo de como definimos o distúrbio). Atualmente, tem sido adotado o termo “transtornos do espectro do autismo” para ressaltar que a patologia varia amplamente em grau de seriedade, mas mantém em
comum três sintomas: profunda ausência de habilidades sociais, baixa capacidade de comunicação e comportamentos repetitivos. Independentemente da gravidade da manifestação, na base dessas características estão os problemas de intuição social.


Autistas têm dificuldade em se aproximar de outras pessoas porque não construíram um repertório de habilidades de desenvolvimento que permite que os humanos se tornem “especialistas em ler a mente alheia”. Não falamos aqui da habilidade especial de descobrir pensamentos como fazia o sr. Spock, personagem da série Jornada nas estrelas, mas da capacidade de inferir o que os outros estão pensando e sentindo em diferentes circunstâncias. No início da infância, as crianças saudáveis desenvolvem, gradativamente, uma compreensão cada vez mais sofisticada de que os outros apresentam estados mentais que motivam seu comportamento. Por exemplo,
você será capaz de notar que seu interlocutor está nervoso e agitado, mesmo que ele não
lhe diga isso em momento algum da conversa. Ou, se você esquece sua bolsa no escritório, posso perceber que você acredita que ela estará lá mesmo que a faxineira a tenha colocado no depósito de achados e perdidos. Eu posso entender que você mantém uma falsa crença, talvez para se defender de uma frustração. Essa possibilidade natural, da qual desfrutamos desde criança, é uma “teoria da mente”. Formulamos várias delas, muitas vezes por dia, sem sequer nos darmos conta de quantas. É por volta dos 3 anos que começamos a perceber que as outras pessoas têm objetivos, preferências, desejos, crenças e até fazem juízos falsos. Sem essa gama de habilidades sociais a mente torna-se “cega” – incapaz de entender o que os outros estão pensando e por que fazem certas coisas. Isso não quer dizer que não nos surpreendamos, mas de forma geral temos – alguns mais, outros menos, é verdade – condições de compreender o outro e suas razões.

EXPERIÊNCIA ASSUSTADORA

As crianças aprendem aos poucos a ler mentes e também se tornam conselheiras. “Não chora, mamãe”, provavelmente dirá a garotinha ao ver a mãe emocionada por alguma razão. Os pequenos começam a entender a tristeza, alegria, desilusão e ciúmes dos outros como correlatos emocionais de seus comportamentos. Por volta dos 4 anos, as crianças tornaram-se especialistas em disputa social: copiam gestos, imitam palavras e posturas e, geralmente, desenvolvem simpatias. Dessa forma, sinalizam que fazem parte dos mesmos círculos sociais de que todos nós participamos para nos tornar “membros da tribo”, capazes de compartilhar comportamentos socialmente contagiantes como chorar, bocejar, sorrir, gargalhar e fazer caretas de nojo.


Não é de admirar que aqueles que sofrem de autismo sintam tanto medo das interações sociais diretas. Se você não consegue imaginar, nem de longe, o que se passa com a outra pessoa, essa interação deve ser intensamente frustrante, estressante – e assustadora. Em geral, os autistas não gostam de contato visual direto, preferem olhar para objetos e não para rostos; não imitam comportamentos, não bocejam, choram ou riem quando outros o fazem. Ou seja: não se envolvem com o rico tecido dos sinais que partilhamos com os demais membros da espécie. Essa incapacidade pode ser devida ao fato de que autistas geralmente se afastam psiquicamente de atividades que envolvam outras pessoas.
A incidência de autismo é mais alta em gêmeos idênticos, que compartilham a quase totalidade de seus genes, em comparação com gêmeos fraternos, que compartilham somente 50% dessa carga – o que indica que existe um componente genético para esse transtorno. Além disso, a maior incidência em homens que em mulheres revela fortes implicações biológicas. Já existem evidências, com base em estudos de imageamento do cérebro, de que regiões do córtex pré-frontal – principalmente o córtex frontoinsular e o córtex cingulado anterior, normalmente ativados por interações sociais – estão praticamente inativas em autistas. Dados de autópsias também indicam que as estruturas do córtex frontoinsular e do córtex cingulado anterior são alteradas nos casos de autismo.


O pesquisador John Allman, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, acredita que boa parte desse déficit social pode ser atribuído à falta de um tipo especial de neurônios fusiformes, também conhecidos como neurônios de Von Economo, em homenagem ao seu descobridor, que os observou em 1925. Neurônios fusiformes consistem em um neurônio bipolar bem desenvolvido encontrado somente no córtex frontoinsular e no córtex cingulado anterior, que, acredita-se, fornece a interconexão entre as áreas do cérebro ativadas pela aprendizagem e pelo contato social. Essa localização pode explicar por que neurônios fusiformes só foram encontrados em espécies particularmente sociais, como todos os grandes símios, elefantes, baleias e golfinhos.


Dentre todos os animais, os humanos são os que têm número maior de neurônios fusiformes localizados no córtex frontoinsular e no córtex cingulado anterior – as mesmas regiões que podem ser comprometidas no espectro de transtornos do autismo. Acreditase que os neurônios fusiformes funcionem como rastreadores das experiências sociais, levando a uma rápida avaliação de situações similares no futuro. Essas estruturas fornecem a base da aprendizagem social intuitiva quando observamos e copiamos os outros. Pode, portanto, não ser coincidência o fato de que a densidade de neurônios fusiformes nas regiões sociais aumenta desde a infância até atingir níveis de adulto já por volta do terceiro ou quarto ano de vida em crianças normais. Nesta idade, considerada por muitos especialistas em desenvolvimento infantil o divisor de águas, ocorre uma mudança considerável nas habilidades de intuição social. Já pessoas com autismo, que tiveram atividades de áreas do córtex frontoinsular e do córtex cingulado
anterior interrompidas, apresentam dificuldade de realizar o que o resto de nós sabe fazer sem ter de pensar muito: descobrir o que se passa com nosso semelhante – basta prestar atenção.

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/mentes_cegas.html

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