Pesquisas com imageamento cerebral ajudam médicos a identificar pacientes em estado vegetativo com chance de recuperação.
Em Fale com ela (2002), de Pedro Almodóvar, duas mulheres entram em estado vegetativo depois de acidente. As personagens têm destino diferentes: a bailarina Alicia (à esquerda) se recupera e a toureira Lydia, não
O paciente abre os olhos, sem expressão alguma. Ele está vigilante, mas não têm consciência do que acontece ao seu redor. Há meses permanece assim, não-responsivo, desde o terrível acidente. Será capaz de pensar?
Em breve talvez possamos nos comunicar com essas mentes enclausuradas, aprisionadas num corpo que não mais reage ao controle mental. Imagens divulgadas no fim de 2006 por pesquisadores da Universidade de Cambridge mostravam o cérebro de uma mulher em estado vegetativo, indicando que ela estava vigilante e, para surpresa geral, consciente. Mais recentemente, a mesma equipe desenvolveu um método para fazer perguntas que podiam ser respondidas com sim ou não a pacientes que pareciam ter poucas chances de recuperação. “Podemos detectar se o indivíduo está consciente, e nos comunicar com ele, sem que tenha de dizer alguma coisa ou mover qualquer parte do corpo”, diz o médico Adrian Owen, coordenador da pesquisa.
Segundo Owen, até hoje os médicos investiram pouco nesses pacientes, na crença de que nada podia ser feito além dos cuidados paliativos que os mantêm alimentados, limpos e confortáveis até a hora da morte. Vez por outra, porém, um deles desperta inesperadamente, sem que se conheçam os fatores que contribuíram para a recuperação. Sempre foi muito difícil e impreciso estimar as chances da pessoa com transtorno de consciência (em coma ou estado vegetativo) voltar à vida normal.
NEURORREABILITAÇÃO
Novas esperanças começaram a surgir a partir dos anos 70, quando vários centros de reabilitação foram criados nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. A medicina passou a estudar cada lesão cerebral individualmente, a elaborar regimes terapêuticos específicos com base em medicamentos e fisioterapia personalizados. O progresso foi sensível, ainda que ninguém sonhasse com as técnicas de imageamento cerebral, que apareceram na década de 80. Mas foi com o advento da ressonância magnética funcional (fRMI), nos anos 90, que se tornou possível estudar a atividade de cérebros vivos.
“A técnica de diagnóstico por fRMI permitiu examinar pela primeira vez as engrenagens cognitivas de portadores de transtornos da consciência”, diz o neurocientista Joy Hirsch, da Universidade Colúmbia. Em 1992, cientistas descobriram que esse tipo de varredura podia mapear alterações no fluxo sangüíneo de diferentes áreas do cérebro, sinalizando quais estavam funcionando durante qualquer pensamento ou estimulação sensorial. Nos anos seguintes foi possível diferenciar entre padrões de resposta passiva a estímulos e de pensamento deliberado, o que é crucial para o exame do cérebro do indivíduo cujo estado de consciência é desconhecido. De lá para cá a técnica de fRMI foi aperfeiçoada a ponto de os cientistas darem comandos aos pacientes e analisar suas reações minuto a minuto. Com isso, muitos consideram que estamos na iminência de nos comunicar com essas pessoas.
Obviamente nem todos os pacientes em estado vegetativo conseguem se recuperar; em alguns deles simplesmente não restou estrutura cerebral suficiente. "Temos vários casos com claras chances de recuperação, mas infelizmente não são todos”, diz Owen. Esse foi o caso da americana Terri Schiavo, que permaneceu anos em estado vegetativo e virou notícia quando seus pais contestaram a decisão do marido de interromper a alimentação e deixá-la morrer. O imageamento cerebral já havia mostrado que parte considerável de seu cérebro estava atrofiada; os médicos foram unânimes em afirmar que o caso dela era irreversível.
Contudo, o prognóstico dos pacientes com transtorno de consciência nem sempre é definitivo e inalterável. O cérebro é um órgão frágil, mas pode reagir de forma inesperada. Em alguns casos, as vítimas estão conscientes do seu entorno, mas são incapazes de reagir. Outras, ainda, inconscientes e desacordadas. O desafio da medicina de reabilitação é identificar todas essas possibilidades.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Os transtornos da consciência são divididos em três categorias: coma, em que o paciente não está vigilante nem responsivo; vegetativo, em que está vigilante, mas não-responsivo; e minimamente consciente, em que o indivíduo está vigilante, reage a estímulos, mas tem capacidade limitada de realizar ações intencionais. Em geral, os médicos fazem essas classificação pela observação visual do paciente no leito. “Costumamos pedir à pessoa que nos diga se está consciente. Realmente, é um método muito impreciso”, afirma Owen.
No estudo coordenado por Owen, publicado em setembro de 2006 na Science, os médicos pediram a uma paciente em estado vegetativo que se imaginasse fazendo diversas tarefas, como jogar tênis e caminhar pelos cômodos de sua casa. Enquanto isso seu cérebro era analisado por meio da fRMI. Os resultados mostraram imagens comparáveis às de pessoas saudáveis: ela compreendia os comandos e decidia se obedecia ou não.
A varredura por fMRI gera uma enorme quantidade de dados cuja análise leva tempo. Um experimento de poucos minutos pode demandar vários dias de trabalho de interpretação. “O momento heureca não aconteceu com a moça deitada dentro do aparelho. Só duas semanas depois percebemos que ela realmente esteve jogando tênis em pensamento”, explica o médico. Além disso, a análise de dados revelou que ela já estava se recuperando, ainda que os primeiros sinais físicos externos só fosse aparecer mais tarde. Essa detecção precoce, segundo os pesquisadores, poderá dar origem a novos tratamentos − medicamentos, cirurgia ou fisioterapia − muito mais eficazes.
Atualmente, a equipe de Owen trabalha num protocolo para "conversar" com a mente de pacientes em estado vegetativo, empregando os mesmos princípios básicos do seu experimento inicial. "Se o paciente imaginar que joga tênis, isto significará `sim`. Se imaginar que caminha pelos cômodos de sua casa, significará `não`", explica o médico. Praticando com indivíduos saudáveis, os médicos aprenderam a distinguir esses dois tipos de resposta em menos de um minuto. Se tiverem sucesso, serão os primeiros a “conversar” com uma mente enclausurada.
É claro que ainda levará tempo para que essa tecnologia esteja disponível em hospitais. Por ora, a fMRI para diagnosticar pacientes com transtorno de consciência, e para se comunicar com eles, é usada em poucos laboratórios de pesquisa, em parte porque o custo do equipamento é muito alto, da ordem de alguns milhões de dólares. Mas com os resultados positivos já obtidos, é provável que nos próximos anos a medicina consiga libertar muitas pessoas condenadas ao leito do hospital.
Caso o leitor queira ler mais acerca do filme Fale com Elas, de Pedro Almodovar, segue o link para uma monografia escrita por Beatriz Schiffer Durães, na qual ela faz uma análise junguiana do filme a partir de uma relação entre psicologia e mitologia.
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/mentes_aprisionadas.html
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