Antes da criação de instituições psiquiátricas, doentes mentais eram tratados no sul da itália com banhos, vomitórios, jejum e castigos para "purificar o humor"
Apenas na segunda década do século XIX, surgia o primeiro hospital especial para o tratamento médico de doentes mentais no sul da Itália. Foi a Real Casa dos Loucos, o famoso manicômio de Aversa. Até então, os loucos de toda a Itália meridional eram "recolhidos, alimentados e tratados" num setor especial, compreendido na Real Casa Santa dos Incuráveis. Era um imenso hospital geral, o Ospedale degli Incurabili di Napoli, criado em 1519, e que acolhia, em diferentes edifícios, todo o tipo de doentes da região.
O tratamento, administrado pelo maestro dei matti (mestre dos loucos), incluía dietas, banhos, vomitórios, trabalho e freqüentemente castigos, como aconselhavam grandes autoridades médicas, entre elas L. Tozzi (Opera omnia, Veneza, 1711, t.1), para quem "qualquer tipo de loucura, dificilmente se rende à medicina, e reconduzir os dementes à reta via da razão é quase impossível".
Ao concluir que "os maníacos são contidos e reprimidos muito mais pelas pancadas, ameaças e censuras do que pelos fármacos, que nem querem tomar", Tozzi (sucessor de Malpighi e médico do papa Inocêncio XII) apoiava-se também na autoridade de Willis (1625-1675). "A finalidade primária é naturalmente curativa (...) a disciplina, as ameaças e pancadas são necessárias tanto quanto o tratamento médico (...) na verdade, nada é mais necessário e eficaz para a cura dessa gente que forçá-la a respeitar e temer a intimidação. Com este método, a mente, mantida a freio, é induzida a renunciar à sua arrogância e logo se torna mansa e organizada. É por isso que os maníacos curam-se com maior rapidez se são tratados com a tortura e a detenção em cela mais do que com os medicamentos."
A dura vida dos pacientes da Real Casa Santa de Nápoles incluía outro tratamento, bastante original, que, por sua propalada eficácia, deu certo renome à instituição. Consistia, basicamente, em impor uma dieta alimentar muito restrita e rígida, quase um jejum. Em sua famosa obra Sobre a força da fantasia humana, L. A. Muratori diz: "Ora, a doença em que consiste a loucura é, na maior parte dos casos, incurável; em alguns casos, o paciente cede ao tratamento médico. No insigne Hospital de Nápoles, os loucos são mantidos com uma alimentação tão reduzida que se tornam como esqueletos. Pouco a pouco (...) diluídos os humores maus e trocado todo o sangue, acredito, que alguns deles fiquem com a cabeça curada". (Della forza della fantasia umana, Veneza, 1740).
A purificação dos humores e a troca do sangue doentio era o objetivo médico predominante e explícito, desse tratamento cruel. Mas, na verdade, a "eficácia" se devia a outras conseqüências: graças à exaustão física, esses "quase esqueletos" ficavam incapacitados para quaisquer ações violentas e, assim, "dóceis" às rígidas imposições da instituição.
Além disso, a exaustão imposta funcionava como um tratamento de choque emocional antidelírio: os pacientes enfrentavam, além do sofrimento físico e da sensação de impotência, a impressão angustiante da morte iminente. Uma impressão que poderia despertar neles algum instinto de defesa, capaz de ligá-los, de novo, à vida real. É uma explicação que se aplicaria também a outros tratamentos somáticos ditos "de choque".
Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/o_hospital_dos_incuraveis.html
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